Artículo Original
Sequelas Auditivas da Infeção Congénita por CMV - Resultados de 7 anos. Quem rastrear?
Auditory Sequelae from Congenital CMV Infection - 7 year Results. Who to screen?
Nuno O’Neill Mendes*,
Rosalina Barroso**,
Ana Guimarães*,
Filipe Freire*
*Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço,
Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, Portugal
**Serviço de Neonatologia,
Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, Portugal
Correspondencia:
Nuno Mendes
Mail: nunomendes@campus.ul.pt
Fecha de envío: 5/2/2020
Fecha de aceptación: 8/5/2020
ISSN:
2340-3438
Edita:
Sociedad Gallega de Otorrinolaringología
Periodicidad:
continuada.
Web:
www.sgorl.org/ACTA
Correo electrónico:
actaorlgallega@gmail.com
Resumen
Introdução: A infeção congénita por CMV (cCMV) é a principal causa de Surdez Neurossensorial (HSN) não genética no recém-nascido (RN). A perda auditiva pode ocorrer à nascença ou tardiamente.
Material e métodos: Analisou-se, retrospetivamente, a existência alterações auditivas nas crianças diagnosticadas com cCMV nascidas no nosso Hospital entre os anos de 2012 e 2018.
Resultados: Diagnosticaram-se 26 casos de cCMV (0,13%). Identificou-se HSN em 8 (30,8%) crianças. Documentaram-se 4 casos de surdez ligeira, 1 caso de surdez moderada, 1 caso de surdez grave e 2 casos de surdez profunda. Verifica-se relação estatisticamente significativa entre baixo peso ao nascer (<1500g) e HSN (p=0,02). Não foi encontrada relação entre infeção materna por CMV na gravidez e HSN na criança.
Conclusões: Os resultados estão de acordo com a literatura e realçam a importância do diagnóstico desta entidade. Consideramos que a implementação de um Rastreio Neonatal Universal poderá evitar o subdiagnóstico de cCMV e assim garantir o acompanhamento adequado destas crianças.
Palabras clave: Citomegalovírus (CMV); infeção congénita; Surdez Neurossensorial (HSN); rastreio neonatal
Abstract
Introduction: Congenital CMV infection (cCMV) is the leading cause of nongenetic Sensorineural Hearing Loss (HSN) in the newborn (RN). Hearing loss can occur at birth or later in childhood.
Material and methods: The occurence of auditory alterations was analysed, retrospectively, on the group of children diagnosed with cCMV who were born in our Hospital from 2012 to 2018.
Results: 26 cases of cCMV (0,13%) were diagnosed. HSN was identified in 8 (30,8%) children. We documented 4 cases of mild hearing loss, 1 case of moderate hearing loss, 1 case of severe hearing loss and 2 cases of profound hearing loss. We found statistically significant relationship between low birth weight (<1500g) and HSN (p=0,02). No relationship was found between CMV maternal infection during pregnancy and childhood HSN.
Conclusions: The results are in agreement with the literature and highlight the importance of the diagnosis of this infection. We think that an universal neonatal screening could minimize subdiagnosis of cCMV and guarantee adequate follow up of this children.
Keywords: Citomegalovirus (CMV); congenital infection; Sensorineural hearing loss (HSN); neonatal screening
Introdução
O Citomegalovírus (CMV) é um vírus de DNA que tem como único hospedeiro a espécie humana 1. A maioria dos indivíduos infetados pelo vírus são assintomáticos, no entanto, em algumas situações pode ocorrer um síndrome de mononucleose infeciosa, ou, em casos mais raros, condicionar o aparecimento de sintomatologia grave e potencialmente fatal 2.
A infeção congénita a CMV (cCMV), para além de ser a causa mais frequente de infeção congénita no Mundo, é também a principal causa de Surdez Neurossensorial (HSN) não genética no recém-nascido (RN). Entre 0,3% e 2,4% dos RN em todo o mundo apresentam infeção congénita por CMV. O gold standard para o diagnóstico de cCMV é a deteção do vírus (por Polymerase Chain Reaction – PCR) a partir da urina ou da saliva do RN até aos 21 dias de vida. Nos casos em que a suspeita de infeção ocorre após a janela temporal dos 21 dias, a deteção de DNA-CMV no cartão de Guthrie (até aos 8 anos de idade) ou no cordão umbilical preservado, apesar de menos sensíveis, são também métodos válidos 3;4;5. Importa referir que quando se utiliza a saliva para o diagnóstico da infeção, em caso de positividade, deve ser realizada a confirmação por PCR na urina do RN 6.
Ao contrário de outros agentes infecciosos, o CMV, além de poder ser transmitido ao feto quando ocorre primoinfeção materna na gravidez, pode também transmitir-se quando a Mãe se infeta meses/anos antes da gestação 7. 2/3 das grávidas no nosso país tem sorologias positivas para CMV antes da gravidez, no entanto, sabe-se hoje que as consequências da infeção por CMV no RN
são tendencialmente mais graves quando a progenitora se infeta antes das
20 semanas de gestação 1;8.
A surdez neurossensorial causada por cCMV corresponde a 2% a 18% de todos os casos de surdez infantil, podendo a perda auditiva ser unilateral/bilateral, apresentando em alguns casos um caracter flutuante ou progressivo 2;9;10.Cerca de 10% dos RN infetados apresentam doença sintomática, sendo que o surgimento de HSN unilateral/bilateral é a mais comum das várias manifestações possíveis. Mesmo os RN com infeção assintomática à nascença podem desenvolver surdez de forma tardia, tipicamente, até aos 6 anos de idade 3. A distinção entre doença sintomática e assintomática ao nascimento é importante porque as crianças sintomáticas à nascença apresentam maior risco de sequelas neurocomportamentais (identificadas em 50% destes casos). Nas crianças com infeção assintomática à nascença, o surgimento de sequelas, além de ser menos frequente (15% dos casos), é tipicamente menos grave. No caso concreto da perda auditiva, alguns autores reportam uma maior incidência de unilateralidade e menor incidência de surdez grave/profunda nos casos em que a HSN se instala de forma tardia 3;10. Fisiopatologicamente, a surdez decorrente desta infeção associa-se a presumível lesão de estruturas endolinfáticas e stria vascularis, com consequente desequilíbrio iónico e degeneração de estruturas sensoriais 11.
Cada vez mais, a hipoacúsia associada a cCMV é vista como uma sequela potencialmente evitável. A identificação precoce da infeção congénita a CMV tem o potencial de permitir a administração de terapêutica antiviral atempada, prevenindo ou atenuando eventual perda auditiva. Sabe-se que o Ganciclovir Intravenoso ou Valganciclovir Oral podem reduzir/estabilizar a perda auditiva associada a cCMV e melhorar os índices de neurodesenvolvimento se administrados no 1º mês de vida 12.
O potencial demonstrado pelas terapêuticas atuais na prevenção de sequelas da infeção tem feito aumentar o interesse no rastreio neonatal para cCMV. Existem resultados de programas de rastreios seletivos para infeção congénita a CMV (são rastreadas para infeção congénita a CMV as crianças com refere na primeira fase do Rastreio Auditivo Neonatal Universal e voltam a não passar na segunda fase até aos 21 dias de vida).
Os resultados deste modelo de rastreio identificam pelo menos 57% dos casos de HSN relacionada com cCMV 12;13. A outra metodologia existente para a identificação dos casos de infeção congénita a CMV é o “rastreio universal a cCMV”, onde se testam para CMV todos os RN à nascença 14;15.
Este trabalho tem como principais objetivos: fazer uma revisão dos casos de infeção congénita a CMV do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca nos últimos 7 anos com especial ênfase nas alterações auditivas existentes; rever a literatura mais atual discutindo as vantagens e desvantagens de diferentes metodologias de rastreio neonatal a cCMV.
Material e Métodos
Este estudo retrospetivo foi conduzido no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca. Avaliou-se, nas crianças nascidas entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2018, a existência de critérios de diagnóstico para cCMV. Considerou-se como diagnóstico de infeção congénita a CMV: a deteção, por PCR, de DNA-CMV na urina do recém-nascido até ao 21º dia de vida e/ou deteção de DNA viral no Guthrie Card até aos 6 anos de idade.
Com base na primeira avaliação médica das crianças com cCMV confirmado, identificaram-se sinais compatíveis com doença sintomática. Definiu-se doença sintomática como a presença de um ou mais dos seguintes critérios: petéquias, icterícia, hepatoesplenomegália, trombocitopénia, coriorretinite e/ou atrofia ótica, microcefalia, atraso no desenvolvimento intra-uterino, púrpura, convulsões e calcificações intracranianas. Foram também analisados os resultados do Rastreio Auditivo Neonatal Universal (RANU) – A avaliação audiológica inicial foi feita utilizando Otoemissões Acústicas por Produtos de Distorção (OEAPD) e Potenciais Evocados Auditivos do Tronco Cerebral (PEATC). Estas crianças foram posteriormente referenciadas a Consulta de Surdez Infantil e analisaram-se os resultados de Audiogramas Tonais (AT) comportamentais nas crianças que os realizaram. Para categorizar a perda auditiva utilizaram-se as recomendações da International Bureau for Audiophonology (BIAP) – Tabela 1 16.
Tabela 1 - Classificação da surdez
Classificação |
Limiar |
Audição Normal |
0 – 20 dB HL |
Surdez Ligeira |
21 – 40 dB HL |
Surdez Moderada |
41 – 70 dB HL |
Surdez Grave |
71 – 90 dB HL |
Surdez Profunda |
91 – 119 dB HL |
Cofose |
Mais de 120 dB HL |
A recolha e processamento dos dados mereceu aprovação pela comissão de ética do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca
Avaliou-se também a presença de outros fatores de risco para surdez infantil de acordo com o Grupo de Rastreio e Intervenção da Surdez Infantil (GRISI) 17. A perda auditiva progressiva definiu-se como uma deterioração de 10 decibel (dB) ou mais, em avaliações sucessivas. A melhoria da perda auditiva definiu-se como uma subida de 10dB ou mais, em avaliações sucessivas. Uma perda auditiva flutuante definiu-se como uma alternância entre perda progressiva e melhoria da perda auditiva. A surdez tardia definiu-se como uma perda auditiva registada numa avaliação audiológica de follow-up posterior a uma avaliação inicial normal 9;16.
Os dados recolhidos foram analisados com o software IBM SPSS Statistics 25.0. Utilizaram-se os testes t-student e t-student independente para a análise estatística de variáveis contínuas. O teste x2 foi utilizado para a análise de variáveis discretas. O teste exato de Fisher foi usado para averiguar relação entre factores de risco para surdez infantil e perda auditiva documentada nas crianças com cCMV. Um valor p < 0,05 foi utilizado para referir significado estatístico.
Foi revista a literatura e avaliaram-se as vantagens e desvantagens de duas modalidades de rastreio da infeção congénita a CMV – “rastreio seletivo a cCMV” e “rastreio universal a cCMV”.
Resultados
No referido período temporal registaram-se 19322 nascimentos na maternidade do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca.
Diagnosticaram-se 26 casos de cCMV, correspondendo a uma prevalência da infeção de 0,13%. Em 25 casos o diagnóstico foi feito através deteção do vírus (por PCR) na urina do RN antes dos 21 dias de vida na sequência de sintomas sugestivos no período neonatal. Num caso o diagnóstico foi feito retrospetivamente por identificação do vírus no Guthrie Card. Identificou-se, na amostra de indivíduos com cCMV: 54% de RN do sexo masculino; 23,1% de RN prematuros; peso médio à nascença: 2621 (± 854,1) gramas; 15,4% de RN com muito baixo peso (< 1500gramas). Nas progenitoras de crianças infetadas, nos casos em que foram feitas sorologias para CMV durante a gravidez, verificou-se seropositividade em 60% dos casos desde o início da gestação (traduzindo provável infeção materna prévia à gravidez). Nas restantes 40% ocorreu seroconversão durante a gravidez (primoinfeção). Em 7,7% dos RN registou-se co-infeção com o Vírus da Imunodeficiência Humana tipo 1 (VIH 1). Os principais dados demográficos da população com infeção congénita a CMV estão sumarizados abaixo.
Em termos de audição, verificou-se HSN em 8 indivíduos (30,8%) com infeção congénita a CMV. Quando se documentou perda auditiva, esta instalou-se ao nascimento em 75% (n=6) dos casos e foi tardia nos restantes 25% (n=2); idade de surgimento da hipoacúsia tardia: 1,6 ± 0,69 anos de idade. Dos 8 indivíduos com hipoacúsia, em 5 casos foi bilateral e nos restantes 3 unilateral. Os 2 casos de hipoacúsia de instalação tardia correspondem a HSN unilateral. Não se verificou, até ao momento, progressão ou regressão dos limiares tonais médios em nenhum dos casos de perda auditiva. As características da hipoacúsia representam-se na tabela 3. Não foi encontrada relação entre o estado sorológico materno para CMV e o risco de desenvolver perda auditiva no RN.
Tabela 2 – Dados demográficos da população com cCMV
Indivíduos com cCMV |
|
Sexo masculino |
54% (14) |
Gravidez vigiada* |
92,3% (24) |
Prematuridade (gravidez <37 semanas) |
23,1% (6) |
Parto distócico |
3,8% (1)** |
Peso ao nascer <1500g |
15,4% (4) |
* Definiu-se gravidez adequadamente vigiada de acordo com a norma da Direcção Geral da Saúde de 2015 (18).** Cesariana
Tabela 3 - Características da hipoacúsia nos indivíduos com perda auditiva
Classificação |
Ao Nascimento |
Tardia |
Surdez Ligeira |
2 |
2 |
Surdez Moderada |
1 |
0 |
Surdez Grave |
1 |
0 |
Surdez Muito Grave |
0 |
0 |
Surdez Profunda |
2 |
0 |
Nos indivíduos com HSN bilateral, utilizam-se os resultados do melhor ouvido.
Dos vários fatores de risco para desenvolvimento de surdez infantil 17, apenas se verificou relação com significado estatístico entre peso ao nascer <1500g e HSN de qualquer grau (p=0,02) – tabela 4.
Tabela 4 – Relação entre fatores de risco para surdez infantil e perda auditiva
Fatores de risco |
Audição normal |
HSN de qualquer grau |
Valor p |
[IC: 95%] |
Peso ao nascer < 1500g |
1 |
4 |
0,020 |
[0,06;0,39] |
Prematuridade |
2 |
4 |
0,051 |
[0,09;0,44] |
Sépsis Neonatal |
0 |
2 |
0,086 |
[0,01;0,25] |
Ototóxicos > 5 dias |
1 |
2 |
0,220 |
[0,02;0,30] |
[Teste exato de Fisher; IC = Intervalo de confiança]
Representam-se somente os fatores de risco presentes nos casos de hipoacúsia.
Em termos de terapêutica, os 25 RN diagnosticados no período neonatal fizeram Valganciclovir durante 6 meses, sendo que em dois casos a medicação foi suspensa às 9 semanas por efeitos adversos. As 2 crianças em que se suspendeu a terapêutica precocemente correspondem aos 2 casos de HNS tardia.
Discussão
No presente estudo, que avaliou uma amostra de doentes selecionados num período de 7 anos, verificou-se uma prevalência de 0,13% de cCMV. Este valor encontra-se ligeiramente abaixo daquilo que é referido na literatura. Está descrito que a infeção congénita a CMV afeta entre 0,2% a 2,5% dos nados vivos 9. O menor número de casos diagnosticados neste Hospital pode dever-se a vários fatores, entre eles o atraso verificado na pesquisa da infeção (após os 21 dias) ou a subestimação de determinados sinais/sintomas no período neonatal que possam sugerir cCMV.
Em termos de perda auditiva, verificou-se neste Hospital, no período referido, que 30,8% das crianças com cCMV desenvolvem hipoacúsia no período neonatal de forma tardia. Esta percentagem está de acordo com os achados de trabalhos semelhantes. A unilteralidade da perda auditiva que identificámos nos casos de surdez tardia é também um achado típico da HNS associada a cCMV9;16 . As duas crianças com cCMV que suspenderam Valganciclovir antes dos 6 meses desenvolveram HSN tardia, o que poderá sugerir o benefício deste fármaco na prevenção da hipoacúsia.
No que respeita ao papel da terapêutica antiviral no cCMV, têm sido publicados varios estudos e ensaios clínicos que visam identificar quais os casos de cCMV que podem beneficiar de tratamento e, em caso afirmativo, qual o fármaco adequado.
Atualmente, o Valganciclovir Per Os (16 mg/kg 2id; 6 meses), iniciado até aos 30 dias de vida, é o fármaco de eleição quando existe indicação para tratamento de cCMV. As indicações para terapêutica Antiviral no RN com cCMV têm sido alargadas. O caso concreto da HNS neonatal isolada sem outras manifestações da doença é a situação com menor concordância entre experts. O recente consenso europeu sugere que nesta situação específica se realize tratamento com Valganciclovir na dose e duração supracitados (Qualidade B; Força 1) 13. Não existe ainda nenhum trabalho concluído que demonstre benefício na administração de Antiviral em casos de infeção congénita a CMV totalmente assintomática. Demonstrou-se, em dois ensaios clínicos randomizados 18;19, que a terapêutica antiviral administrada nos primeiros 30 dias de vida reduz a taxa de aparecimento ou de progressão de hipoacúsia.
Atualmente, em Portugal, apenas os recém-nascidos que apresentam sinais/sintomas que o Neonatologista considere sugestivos de cCMV são testados para infeção e, em caso de positividade, candidatos a tratamento 1. No entanto, uma vez que 90% dos casos de cCMV são assintomáticos à nascença, existe subdiagnóstico desta patologia quando a pesquisa da infeção é feita apenas em crianças sintomáticas 1;2;10. Entre as crianças com um exame objetivo neonatal normal, existe um subgrupo que refere na 1ª fase do RANU. Neste subgrupo, quando se confirma a infeção congénita associada a HNS unilateral/bilateral, existe potencial benefício em iniciar antiviral 13. Os RN com cCMV associado a HSN neonatal isolada podem ser identificados através da implementação de um “rastreio seletivo para cCMV” – nesta tipologia de rastreio, o vírus é pesquisado por PCR na urina de todos os RN que não passam na primeira fase do RANU e voltam a não passar na segunda fase (esta deve ser realizada até aos 21 dias de vida para possibilitar a pesquisa de CMV na urina na janela temporal desejada). O “rastreio seletivo a cCMV”, ao detetar os casos de hipoacúsia neonatal causada pelo vírus, possibilita a instituição de terapêutica atempada, potencialmente prevenindo ou atenuando a progressão da perda auditiva. Assim, é possível reduzir os gastos associados à reabilitação auditiva por sequelas otológicas da infeção 6;20;21. Estima-se que o custo direto e indireto associado ao “rastreio seletivo a cCMV” seja de 78 269€ por cada 100 000 nascimentos. O custo para “proteger” um caso de HSN utilizando este modelo de rastreio é de aproximadamente 15700€. Em comparação, o custo total ao longo da vida relacionado com implantação coclear bilateral em crianças com HSN grave varia entre 92 000€ e 120 000€ 20.
Tendo em conta o risco de surdez tardia, as crianças com cCMV que apresentam audição normal à nascença devem ser acompanhadas em consulta de surdez infantil com ume periodicidade de 6 meses até aos 6 anos de idade 17;19. Nesse sentido, o “rastreio universal a cCMV” (realizado à nascença a todos os RN), ao identificar os casos de infeção neonatal assintomática, possibilita uma vigilância adequada deste grupo de crianças ao longo do tempo. Apesar disso, o “rastreio universal a cCMV” tem um custo estimado 22 vezes superior ao do “rastreio seletivo a cCMV”21.
Em suma, o “rastreio universal a cCMV” parece ser o modelo de rastreio ideal porque, além de apresentar todas as vantagens do rastreio seletivo, permite também identificar os casos de infeção assintomática que carecem de vigilância periódica. Na impossibilidade de realizar o rastreio universal, o “rastreio seletivo a cCMV”, apesar de não detetar os casos de infeção assintomática, pode ser uma ferramenta útil.
Conclusões
Os resultados deste estudo são paradigmáticos daquilo que é a hipoacúsia associada ao cCMV. A nosso ver, merece especial atenção a relação verificada entre baixo peso ao nascer e HSN (por ser um sinal especialmente frequente em recém nascidos com cCMV, o baixo peso pode eventualmente potenciar a perda auditiva associada à infeção). Por outro lado, é importante enfatizar o papel cada vez mais reconhecido da terapêutica antiviral atempada na prevenção da hipoacúsia tardia (no presente trabalho, os 2 casos de hipoacúsia tardia correspondem a crianças que suspenderam Valganciclovir antes dos 6 meses).
O seguimento e tratamento adequado destas crianças depende da existência de um programa de rastreio eficaz. Em Portugal, além de não existir até ao momento nenhum tipo de rastreio neonatal para a infeção congénita a CMV, os critérios para pesquisa do DNA vírico não estão absolutamente uniformizados e variam entre diferentes Hospitais. Julgamos que a implementação do rastreio neonatal a cCMV (universal ou seletivo) seria benéfico no nosso país.
Agradecimientos
Ao serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Professor Fernando Fonseca e, em especial, à Dra Ana Guimarães e Dr Filipe Freire.
Declaración de conflicto de intereses
Sem confito de intereses.
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