INJE_AO_INTRATIMPANICA_DE_TOXINA_(001-011)
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Caso Clínico

INJEÇÃO INTRATIMPÂNICA DE TOXINA BOTULÍNICA NO TRATAMENTO DA MIOCLONIA DO OUVIDO MÉDIO

INTRATYMPANIC INJECTION OF BOTULINUM TOXIN FOR TREATMENT OF MIDDLE EAR MYOCLONUS

Marta Melo;
Joselina Antunes;
Marco Menezes Peres;
Marta Cardoso;
Filipe Freire

Marta Melo;
Joselina Antunes;
Marco Menezes Peres;
Marta Cardoso;
Filipe Freire

Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca

Correspondencia: Marta.melo.orl@gmail.com

Fecha de envío: 1/11/2022 Fecha de aceptación: 13/1/2023

ISSN:
2340-3438

Edita:
Sociedad Gallega de Otorrinolaringología

Periodicidad:
continuada.

Web:
www.sgorl.org/revista

Correo electrónico:
actaorlgallega@gmail.com

Resumen

Introdução: A mioclonia do ouvido médio é uma patología rara que se caracteriza por um acufeno causado por contrações anormais do músculo estapédio e/ou do músculo tensor do tímpano. O tratamento da mioclonia pode ser conservador ou envolver abordagem cirúrgica com resseção dos tendões dos respetivos músculos. Relatamos um estudo prospetivo de caso único de injeção intratimpânica de toxina botulínica como tratamento da mioclonia do ouvido médio, e avaliamos a sua eficácia e segurança.

Caso clínico: Doente de 59 anos com diagnóstico de mioclonia do ouvido médio bilateral há cerca de 10 anos, pouco responsivo a tratamento médico. Foi realizada injeção intratimpânica de 5U de toxina botulínica no ouvido direito, com melhoria da sintomatología, com redução da intensidade e frequência do acufeno. Distando um mês da primeira intervenção, realizada uma injeção intratimpânica de 10U no ouvido esquerdo, com análoga melhoria da sintomatología. Melhoria do THI de IV para III. Não houve registo de qualquer complicação em ambos os procedimentos, nomeadamente ototoxicidade.

Discussão: A injeção intratimpância de toxina botúlinica é um método seguro, minimamente invasivo e com eficácia, sendo um tratamento elegível para a mioclonia do ouvido médio.

Palavras-chave

Mioclonia; Ouvido Médio; Acufeno; Toxina Botulínica; Injeção Intratimpânica

Abstract

Introduction: Middle ear myoclonus is a rare condition characterized by tinnitus caused by abnormal contractions of the stapedius muscle and/or the tensor tympani muscle. The treatment of myoclonus can be conservative or involve a surgical approach with resection of the tendons of the respective muscles. We report a prospective single-case study of intratympanic injection of botulinum toxin as a treatment for middle ear myoclonus, and we evaluated its efficacy and safety.

Clinical case: A 59-year-old patient diagnosed with bilateral middle ear myoclonus about 10 years ago, unresponsive to medical treatment. Intratympanic injection of 5U of botulinum toxin was performed in the right ear, with improvement of symptoms, with reduction of intensity and frequency of tinnitus. One month after the first intervention, an intratympanic injection of 10U was performed in the left ear, with a similar improvement in symptoms. Improved THI from IV to III. There was no record of any complication in both procedures, namely ototoxicity.

Discussion: Intratympanic injection of botulinum toxin is a safe, minimally invasive and effective method, being an eligible treatment for middle ear myoclonus

Keywords

Myoclonus; Middle Ear; Tinnitus; Botulinum Toxin; Intratympanic Injection

Introdução

A mioclonia do ouvido médio é um acufeno do tipo clique causado por contrações anormais do músculo estapédio e/ou do músculo tensor do tímpano. É uma patologia rara, sendo os artigos publicados na literatura de caso único ou de pequenas séries1,2

O tratamento da mioclonia pode ser conservador ou envolver abordagem cirúrgica com resseção dos tendões dos respetivos músculos, dependendo da severidade de sintomas. A secção dos músculos tem como efeito invariável a hiperacusia, que pode conduzir a fonofobia com impacto negativo na qualidade de vida do doente1,2

O tratamento inovador da mioclonia do ouvido médio com toxina botulínica tem sido descrito na literatura, com injeção direta dos músculos ou com colocação de gelfoam® embebido na toxina adjacente aos músculos3,4. Para realizar injeção direta dos músculos é necessário realizar timpanotomia exploradora, uma abordagem cirúrgica com recurso a microscopia, de alguma complexidade e com eventual necessidade de anestesia geral.

A injeção intratimpânica de fármacos é um método simples, minimamente invasivo, sem necessidade de anestesia geral. De forma a avaliar a possível eficácia e segurança do tratamento da mioclonia do ouvido médio com injeção intratimpância de toxina botulínica, realizámos uma proposta de estudo propectivo de caso único, com aprovação da Comissão de Ética do hospital.

Os critérios de inclusão no estudo foram o diagnóstico clínico de mioclonia do ouvido médio e a idade superior a dezoito anos. Os critérios de exclusão foram a presença de outra patología otológica, a gravidez, alergia conhecida à toxina botulínica tipo A, o diagnóstico de patología neuromuscular, como miastenia gravis ou esclerose lateral amiotrófica, o uso de antibióticos aminoglicosídeos, o uso de relaxantes musculares ou o uso de outros fármacos que interfiram com a função neuromuscular. O desenho do estudo incluía avaliação inicial em consulta de Otorrinolaringologia, com confirmação diagnóstica e realização de audiograma tonal e vocal e impedanciometria, bem como aplicação do questionário Tinnitus Handycap Inventory (THI) (tabela 1)5. Realizado tratamento com injeção intratimpânica de toxina botulínica, com registo de sintomas e intercorrências durante e após a intervenção. Reavaliação com audiograma tonal e vocal e impedanciometria, com nova aplicação do questionário, ao 7º dia pós-tratamento. Reavaliação ao 1º mês e 3º mês pós-tratamento e repetição dos exames.

Caso Clínico

Doente do sexo feminino de 59 anos, sem outros antecedentes relevantes, com diagnóstico de mioclonia do ouvido médio bilateral há cerca de 10 anos, com acufeno bilateral pouco responsivo a tratamento com relaxantes musculares e benzodiazepinas, e com impacto na qualidade de vida. Na avaliação clínica, otoscopia sem alterações timpânicas, orofaringe sem evidência de mioclonias do palato, e exames complementares como tomografía computadorizada do ouvido, audiograma e timpanograma sem alterações de relevo.

Foi proposto o tratamento com toxina botulínica intratimpânica e obtido consentimento da doente. Como métodos de avaliação da eficácia, além do registo de sintomas foi utilizado o THI pré e pós-tratamento5. Como métodos de avaliação de segurança foram realizados audiograma tonal, audiograma vocal e timpanograma pré e pós-tratamento. Foram excluídas contra-indicações ao tratamento como gravidez, alergia conhecida à toxina botulínica tipo A, diagnóstico patologia neuromuscular, bem como excluído o uso fármacos que interfiram com função neuromuscular.

Com recurso a anestesia local, microscópio e agulha de raquianestesia 27 gauge, a doente foi submetida a uma injeção intratimpância de 5 unidades(U) de toxina botulínica tipo A no ouvido direito (figura 1). Para aumentar o tempo de exposição ao fármaco a doente permaneceu em decúbito lateral, contralateral ao ouvido intervencionado, durante 30 minutos. Registo de melhoria da sintomatología, principalmente redução da intensidade e frequência do acufeno. Esta melhoria traduzindo-se, ao fim do primeiro mês, numa redução do THI de grau IV pré-operatório, para grau III.

Distando um mês da primeira intervenção, pela mesma técnica descrita foi realizada uma injeção intratimpânica de 10U de toxina botulínica tipo A no ouvido esquerdo. O aumento da dose foi com o intuito de, eventual, aumento da eficácia. Constatou-se melhoria da sintomatologia, traduzindo-se numa redução do THI de grau IV para grau III. Os efeitos permaneceram em ambos os ouvidos cerca de 3 meses, retornando a intensidade e frequência do acufeno semelhantes à pré-intervenção. Não houve registo de qualquer complicação em ambos os procedimentos, nomeadamente ototoxicidade, mantendo-se sobreponível o audiograma pré e pós-tratamento.

Pondera-se como tratamento definitivo a secção dos músculos estapédio e tensor do tímpano.

Discussão

A mioclonia do ouvido médio caracteriza-se por um acufeno idiopático rítmico, regular ou irregular, continuo ou intermitente e pode ser unilateral ou bilateral, e condicionar impacto significativo na qualidade de vida1,2. O tratamento conservador com o uso de relaxantes musculares, ansiolíticos e anticonvulsivantes tem eficácia, porém o tratamento cirúrgico possibilita a resolução definitiva. A abordagem cirúrgica envolve secção dos tendões do músculo estapédio e tensor do tímpano, com abordagem via timpanotomia exploradora com recurso a microscópio ou otoendoscopio1,6. A abordagem cirúrgica permite também o diagnóstico definitivo com a visualização direta da contrações mioclónicas dos músculos. No entando, a abordagem cirúrgica engloba os riscos associados à mesma, bem como à eventual necessidade de anestesia geral e à possibilidade de hiperacusia1.

No caso apresentado, relatamos a aplicação de toxina botulínica por via de injeção intratimpância como tratamento elegível e seguro para mioclonia do ouvido médio. A toxina botulínica é uma proteína que inibe a libertação de acetilcolina pré-sinaptica na junção neuromuscular, levando a atrofia do músculo injetado7. A melhoria da sintomatología com o fármaco, pode ser considerada uma confirmação diagnóstica, ocorrendo diminuição da frequência do acufeno por efeito da toxina botulínica levando a diminuição da contração músculo estapédio e do músculo tensor do tímpano.

A principal preocupação em tratamentos com aplicação de fármacos no ouvido médio é o risco de ototoxicidade. Em 2008, Zehlicke et al, realizou um estudo experimental em 8 porquinhos da índia com injeção intratimpânica de toxina botulínica e realizados potenciais auditivos evocados do tronco encefálico e avaliação histológica da mucosa do ouvido médio, não havendo alterações nos limiares audiométricos e nem evidência de efeitos negativos na mucosa do ouvido médio8. No nosso caso não foi registado qualquer tipo de efeito adverso, nomeadamente hipoacusia, tonturas ou desequilibrio na marcha.

No estudo de Liu et al, foi relatada a eficácia terapéutica da toxina botulínica no tratamento da mioclonia do ouvido médio com a aplicação de gelfoarm® embebido em 25U de toxina e aplicado no ouvido médio através de uma perfuração timpânica4. Igualmente, no estudo de Hutz et al, foi relatada a eficácia terapêutica da toxina botulínica, com recurso a timpanotomia exploradora e injeção direta dos músculos estapédio e tensor do tímpano, sem menção à dose utilizada3. Em ambos os estudos não foram identificados efeitos adversos major, nomeadamente surdez3,4. A possibilidade de aplicar o fármaco sem necessidade de timpanotomia e com recurso a anestesia local tem vantagens, mas pode haver variação de eficácia que poderá ser avaliada em estudos futuros. No nosso caso descrito a injeção de 5U e 10U foi eficaz, reduzindo a frequência e intensidade do acufeno e o impacto na qualidade de vida. De forma aumentar a eficácia, poderá ser considerado administrar doses mais altas de toxina botulínica.

Como limitações do nosso estudo destacamos: tratar-se de um estudo de caso único, sendo necessário mais estudos em doentes distintos para evidência científica clara de segurança e eficácia, dificultada pela raridade da doença; as doses utilizadas poderão ter sido pouco eficazes, podendo doses superiores atingir mais eficácia; a presença de mioclonia bilateral, pode dificultar a distinção da lateralidade da sintomatología e respetiva intensidade.

Podemos concluir que a injeção intratimpância de toxina botulínica poderá ser um método seguro, minimamente invasivo e com eficácia no tratamento da mioclonia do ouvido médio. Poderá ser considerada, também, como um método de confirmação diagnóstica, útil na planificação de tratamentos mais invasivos.  A realização de estudos futuros padronizados são fundamentais, nomeadamente na confirmação de segurança e determinação da dose mais eficaz.

Declaración de conflicto de intereses

nada a declarar

Bibliografía

1. Bhimrao, S. K., Masterson, L. & Baguley, D. Systematic review of management strategies for middle ear myoclonus. Otolaryngol. - Head Neck Surg. (United States) 146, 698–706 (2012). DOI: 10.1177/0194599811434504

2. Park, S. N. et al. Clinical characteristics and therapeutic response of objective tinnitus due to middle ear myoclonus: A large case series. Laryngoscope 123, 2516–2520 (2013). DOI: 10.1002/lary.23854

3. Hutz, M. J., Aasen, M. H. & Kircher, M. A Novel Technique for the Diagnosis and Management of Middle Ear Myoclonus. Laryngoscope 131, E248–E249 (2021). DOI: 10.1002/lary.28579

4. Liu, H. Bin, Fan, J. P., Lin, S. Z., Zhao, S. W. & Lin, Z. Botox transient treatment of tinnitus due to stapedius myoclonus: Case report. Clin. Neurol. Neurosurg. 113, 57–58 (2011). DOI: 10.1016/j.clineuro.2010.07.022

5. Newman, C. W. et al. Development of the Tinnitus Handicap Inventory, Arch Otolaryngol Head Neck Surg 122, 143–148 (1996). DOI: 10.1001/archotol.1996.01890140029007

6. Pollak, N., Azadarmaki, R. & Ahmad, S. Feasibility of Endoscopic Treatment of Middle Ear Myoclonus: A Cadaveric Study. ISRN Otolaryngol. 2014, 1–7 (2014). DOI: 10.1155/2014/175268

7. Dressler D, Saberi FA, Barbosa ER. Botulinum toxin: mechanisms of action. Arq Neuropsiquiatr 2005;63:180–185. DOI: 10.1590/s0004-282x2005000100035

8. Zehlicke, T., Punke, C., Dressler, D. & Pau, H. W. Intratympanic application of botulinum toxin: Experiments in guinea pigs for excluding ototoxic effects. Eur. Arch. Oto-Rhino-Laryngology 265, 167–170 (2008). DOI: 10.1007/s00405-007-0432-8


Tablas y Figuras

Tinnitus Handicap Inventory - THI

1

Because of your tinnitus, is it difficult for you to concentrate?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

2

Does the loudness of your tinnitus make it difficult for you to hear people?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

3

Does your tinnitus make you angry?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

4

Does your tinnitus make you feel confused?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

5

Because of your tinnitus, do you feel desperate?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

6

Do you complain a great deal about your tinnitus?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

7

Because of your tinnitus, do you have trouble falling to sleep at night?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

8

Do you feel as though you cannot escape your tinnitus?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

9

Does your tinnitus interfere with your ability to enjoy your social activities (such as going out to dinner, to the movies)?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

10

Because of your tinnitus, do you feel frustrated?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

11

Because of your tinnitus, do you feel that you have a terrible disease?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

12

Does your tinnitus make it difficult for you to enjoy life?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

13

Does your tinnitus interfere with your job or household responsibilities?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

14

Because of your tinnitus, do you find that you are often irritable?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

15

Because of your tinnitus, is it difficult for you to read?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

16

Does your tinnitus make you upset?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

17

Do you feel that your tinnitus problem has placed stress on your relationships with members of your family and friends?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

18

Do you find it difficult to focus your attention away from your tinnitus and on other things?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

19

Do you feel that you have no control over your tinnitus?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

20

Because of your tinnitus, do you often feel tired?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

21

Because of your tinnitus, do you feel depressed?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

22

Does your tinnitus make you feel anxious?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

23

Do you feel that you can no longer cope with your tinnitus?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

24

Does your tinnitus get worse when you are under stress?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

25

Does your tinnitus make you feel insecure?

Yes (4)

Sometimes (2)

No (0)

Tabela 1 – Tinnitus Handicap Inventory (THI) – adaptado do original: Newman, C. W. et al. Development of the Tinnitus Handicap Inventory, Arch Otolaryngol Head Neck Surg 122, 143–148 (1996).


Figura 1 – Material utilizado para injeção intratimpância de toxina botulínica (espéculo auricular, cânula de aspiração auricular, aspirador de secreções, agulha de raquianestesia 27 gauge, seringa de 1ml, pinça e compressas)

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