POSTOPERATIVE_HEMORRHAGE_AFTER_(057-074)
Logotipo SGORL

Artículo Original:
HEMORRAGIA PÓS AMIGDALECTOMIA EM ADULTOS: ESTARÁ O CETOROLAC IMPLICADO?

Postoperative hemorrhage after tonsillectomy in adults: is Ketorolac implied?

Cláudia Santos, Mariana Branco,

Catarina Areias, Carla André, Luís Antunes

Hospital Garcia de Orta - Serviço de Otorrinolaringologia e

Cirurgia Cérvico Facial, Portugal

Correspondencia: claudia.20.santos@gmail.com

Fecha de envío: 14/2/2022 Fecha de aceptación: 3/5/2022

ISSN:
2340-3438

Edita:
Sociedad Gallega de Otorrinolaringología

Periodicidad:
continuada.

Web:
www.sgorl.org/revista

Correo electrónico:
actaorlgallega@gmail.com

Resumo

Objetivo:
Análise da prevalência de hemorragia pós amigdalectomia em adultos e sua correlação com o uso de Cetorolac na analgesia peri-operatória.

Desenho do estudo:
Estudo retrospetivo recorrendo a consulta de processos clínicos de adultos (idade superior a 18 anos) submetidos a amigdalectomia total no Hospital Garcia de Orta entre janeiro de 2010 e dezembro de 2019.

Materiais e Métodos:
Definiram-se critérios de inclusão e exclusão, selecionando adultos submetidos a amigdalectomia isolada e com dados relativos à analgesia peri-operatória. Divisão da população em dois grupos para validação estatística.

A análise estatística foi feita com o programa SPSS v25, usando o teste qui-quadrado e teste de Fisher.

Resultados:
Selecionada população de 315 adultos.
O grupo Cetorolac apresentou prevalência de hemorragia pós amigdalectomia de 12.5% (1.4% hemorragia primária e 11.1% hemorragia secundária).

Conclusões:
Aumento de risco de hemorragia pós amigdalectomia duas vezes superior (OR=2.17) nos adultos medicados com Cetorolac mas sem significância estatística (p>0.05).

Palavras chave: hemorragia pós amigdalectomia; complicações amigdalectomia; analgesia peri-operatória; Cetorolac; anti-inflamatórios não esteróides.

Abstract

Objective:
Analysis of the prevalence of post-tonsillectomy bleeding in adults and its correlation with the use of Ketorolac for perioperative analgesia.

Study design:
Retrospective study using clinical records of adults submitted to total tonsillectomy at Hospital Garcia de Orta between January 2010 and December 2019. Adults were distributed in two groups for statistical validation.

Materials and methods:
Inclusion and exclusion criteria were defined, selecting adults submitted to isolated tonsillectomy and with data related to perioperative analgesia, according to which they were divided into two groups for statistical validation.

Statistical analysis was performed by using the SPSS v25 program, particularly the chi-square test and Fisher’s test.

Results:
315 adults were selected. Ketorolac groups has a prevalence of post-tonsillectomy bleeding of 12.5% (1.4% primary event and 11.1% secondary event).

Conclusions:
There is evidence that Ketorolac double increases post-tonsillectomy bleeding risk (OR = 2.17). However, there was no statistical significance (p> 0.05).

Keywords:
postonsillectomy hemorrhage; tonsillectomy complications; perioperative analgesia; Ketorolac; non-steroidal anti-inflammatory drugs.

Introduction

A amigdalectomia é um dos procedimentos cirúrgicos mais comummente realizados na especialidade de Otorrinolaringologia. Está indicada na existência de: 1) amigdalites de repetição que cumpram os critérios de Paradise (7 ou mais episódios de amigdalite aguda no ano anterior, 5 ou mais episódios nos 2 últimos anos ou 3 ou mais episódios nos últimos 3 anos); 2) existência de amigdalites de repetição em número inferior ao contemplado nos critérios de Paradise mas associadas a fatores como alergia ou intolerância a antibioterapia, história de abcesso periamigdalino, clínica de síndrome de PFAPA (periodic fever, aphthous stomatitis, pharingitis and adenitis), convulsões febris, halitose crónica; 3) existência de hipertrofia amigdalina que condicione obstrução da via aérea superior, síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS), anomalias do crescimento orofacial e da oclusão dentária; 4) abcesso com provável origem na amígdala; 5) suspeita de malignidade ou procura de neoplasia maligna primária oculta1,2,3.

A principal complicação pós-operatória da amigdalectomia é a hemorragia. De acordo com o tempo decorrido após a cirurgia, a hemorragia divide-se em primária e secundária.

Define-se como hemorragia primária, aquela que ocorre nas primeiras 24 horas após o procedimento cirúrgico. Geralmente, está associada à técnica cirúrgica e à reabertura de vaso(s) sanguíneo(s) lesado(s) durante a cirurgia. As taxas de hemorragia primária variam, de acordo com a literatura4, entre 0,1% a 5,8%. A hemorragia secundária ocorre após as primeiras 24 horas e geralmente é causada pelo descolamento da escara de cicatrização a nível da loca amigdalina. As taxas de hemorragia secundária variam entre 0,2% e 7,5% 5. A taxa média relatada de hemorragia pós amigdalectomia (HPA) primária e secundária é de aproximadamente 4,2% 5,6.

A importância da analgesia peri-operatória na amigdalectomia prende-se, não só, com o controlo da dor mas também com a diminuição da morbilidade associada, nomeadamente diminuição da ingestão, disfagia, vómitos, desidratação, perturbações do sono, alterações comportamentais ou necessidade de readmissão no internamento1.

A utilização de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) como analgésico tem sido crescente, por forma a evitar os efeitos adversos dos opióides, sendo esta, na maioria das vezes, decidida pelo anestesista. Historicamente, estes fármacos, pelo seu mecanismo de ação, encontram-se associados a um maior risco hemorrágico 7,8,9.

O mecanismo de ação dos AINEs, que permite a sua ação analgésica, ocorre através da inibição das prostaglandinas inflamatórias, como a Prostaglandina E2 (PGE2), via inibição da enzima Ciclooxigenase-2 (COX-2)7,8,9. A inibição da função plaquetária ocorre um a dois dias após o início da terapêutica e resulta num aumento do tempo de hemorragia7,8. Se administrado no momento da cirurgia, poderia levar 1 a 2 dias para inibir a função plaquetária7,8,9.

De acordo com estes dados, os AINEs poderiam, teoricamente, aumentar o risco de hemorragia secundária.

O AINE mais utilizado na analgesia peri-operatória de amigdalectomia é o Cetorolac (habitualmente dose única de 30 miligramas) administrado por via endovenosa.

O Cetorolac é um AINE não seletivo e atua inibindo as enzimas Ciclooxigenase-1 (COX-1) e COX-2, que levam à conversão do ácido araquidónico em prostaglandinas. A enzima COX-1 é constitutivamente ativa e pode ser encontrada nas plaquetas, mucosa gástrica e endotélio vascular. Por outro lado, a enzima COX-2 é induzível e medeia a inflamação, dor e febre. Enquanto as propriedades anti-inflamatórias e analgésicas desejadas estão ligadas à inibição da enzima COX-2, a inibição concomitante da enzima COX-1 associa-se a um aumento do risco hemorrágico7,9.

A semi-vida do Cetorolac 30 miligramas (mg) endovenoso, em dose única, em adultos saudáveis é de 5,6 (4,0-7,9) horas. A principal via de eliminação do Cetorolac é a renal (92%), sendo que em adultos com alterações da função renal a semi-vida pode variar 6 e 19 horas, dependendo do grau de insuficiência renal. 10

Vários estudos publicados tentaram associar a ocorrência de hemorragia pós amigdalectomia, em adultos, ao uso de AINEs, nomeadamente o Cetorolac, na analgesia peri-operatória. Em alguns, verificou-se um aumento do risco hemorrágico, no pós-operatório, até cinco vezes superior 11,12,13. No entanto, num estudo publicado em 2019, na Laryngoscope por Kathleen McClain et al., não se verificou esse aumento14.

Material and Methods

Estudo retrospetivo envolvendo pacientes com idade igual ou superior a 18 anos submetidos a amigdalectomia total no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Garcia de Orta entre janeiro de 2010 e dezembro de 2019.

Foram incluídos no estudo doentes com idade igual ou superior a 18 anos submetidos a amigdalectomia total isolada em cirurgia programada. Definiram-se como critérios de exclusão: amigdalectomia por doença oncológica, amigdalectomia associada a qualquer outro procedimento cirúrgico, doentes com antecedentes de distúrbios da coagulação e ausência de dados no processo clínico relativos à analgesia peri-operatória.

Para seleção inicial dos dados foram requisitados ao gabinete estatístico do Hospital Garcia de Orta os seguintes Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH): Amigdalectomia e Hemorragia pós amigdalectomia, dos quais foram fornecidos o respetivo número de processo clínico, data de cirurgia e data de reintervenção cirúrgica. De seguida, foram consultados os processos clínicos para recolha de dados. Analisaram as variáveis: idade, sexo, motivo de indicação cirúrgica, tipo de cirurgia, técnica cirúrgica, ocorrência de hemorragia e dia pós-operatório respetivo assim como a abordagem da hemorragia (medidas locais ou necessidade de controlo em bloco operatório (BO)) e analgesia realizada no peri-operatório.

Tendo em considerando a utilização de AINEs (Cetorolac) na analgesia realizada no peri-operatório, os doentes foram separados em dois grupos: grupo submetido a Cetorolac no peri-operatório versus o grupo de controle (não submetido a AINE), tendo sido analisada e comparada a ocorrência de hemorragia pós-operatória em ambos.

No Hospital Garcia de Orta, a analgesia peri-operatória é prescrita pelo anestesista. Nos casos em que é utilizado o Cetorolac a dose preconizada é de 30 mg, em dose única, por via endovenosa. A analgesia pós-operatória à data de alta é prescrita pelo otorrinolaringologista e estão sempre excluídos os AINEs.

A prevalência de hemorragia foi calculada para ambos os grupos e distribuída em primária (nas primeiras 24 horas pós-operatório) e secundária (após as 24 horas de pós-operatório).

Foram considerados como eventos hemorrágicos: hemorragia com necessidade de medidas locais (compressão, crioterapia, aspiração de coágulos); hemorragia com necessidade de cauterização sob anestesia local e hemorragia com necessidade de reintervenção ou controle em BO.

A análise estatística dos dados foi realizada através do programa SPSS® versão 25 utilizando o teste qui-quadrado e o teste de Fisher. O nível de significância estatística foi atribuído para p<0.05, com intervalo de confiança de 95%.

Results

Foram analisados 457 processos de adultos submetidos a amigdalectomia total sendo que, após aplicação dos critérios de inclusão, obteve-se uma população final de 315 adultos (Figura 1).

A idade média de doentes submetidos a amigdalectomia total foi de 31 anos (DP +/- 10.7; mínimo=18; máximo=74). Foi realizada distribuição por sexo, dos adultos submetidos a amigdalectomia total, dos quais 220 adultos do sexo feminino (69.8%) e 95 adultos do sexo masculino (30.2%).

O diagnóstico pré-operatório mais frequente que conduziu a indicação cirúrgica foi amigdalites de repetição (90.8%), seguido de antecedentes de abcesso periamigdalino (5.4%) e hipertrofia amigdalina com distúrbio respiratório do sono (3.8%) (Gráfico 1).

Foram utilizadas diferentes técnicas cirúrgicas para amigdalectomia total de acordo com a experiência da equipa cirúrgica responsável. A técnica a quente com uso de pinça bipolar foi executada em 69,5% (n=219) dos adultos, enquanto que a técnica a frio, com uso de bisturi e aspirador-descolador e hemostase com pinça bipolar, foi executada em 30.5% (n=96) dos adultos (Tabela 1).

A prevalência de hemorragia pós-operatória em adultos submetidos a amigdalectomia total foi de 7.6% (n=24). A prevalência global de hemorragia primária (<24h) foi de 0,95% (n=3) e de hemorragia secundária (>24h) foi de 6.67% (n=21) (Tabela 2).

Considerando a técnica cirúrgica (a frio versus a quente) utilizada na amigdalectomia foi calculada a prevalência de HPA. Na técnica a quente verificaram-se um total de 8.22% de HPA (n=18), sendo 1.37% HPA primária (n=3) e 6.85% HPA secundária (n=15). Na técnica a frio verificaram-se apenas hemorragias secundárias (6.25% (n=6)). Não tendo sido verificada diferença estatisticamente significativa na ocorrência de hemorragia entre as diferentes técnicas cirúrgicas (p>0.05, CI 95%). (Gráfico 2)

Analisou-se a abordagem aos eventos hemorrágicos pós-operatórios nos 24 adultos que tiveram HPA, sendo que 54.2% (n=13) resolveram com medidas locais (compressão, crioterapia, aspiração de coágulos); 8.3% (n=2) tiveram necessidade de cauterização sob anestesia local e em 37.5% (n=9) foi necessário controlar a hemorragia em bloco operatório (BO) (Gráfico 3).

Na população estudada, 22.9% dos adultos fizeram grupo medicado com Cetorolac e 77.1% fizeram outros analgésicos não AINE (n=243, 77.1%) (Tabela 3).

Nos adultos que fizeram Cetorolac (n=72 (22,9%)), a prevalência de hemorragia pós-operatória, foi de 12.5% (n=9) enquanto que no grupo de controlo (n=243 (77,1%)) foi de 6.2% (n=15), não havendo diferença estatisticamente significativa na ocorrência de hemorragia entre os dois grupos (p>0.05, CI 95%). No nosso estudo, os adultos submetidos a Cetorolac apresentaram um risco relativo duas vezes superior em relação ao grupo de controle de ocorrência de hemorragia pós-operatória (a possibilidade de ocorrência de hemorragia no grupo medicado com Cetorolac foi de 14.3% versus 6.6% no grupo de controlo; OR=2.17 [IC 0.908 — 5.194]; p=0.076) (<Gráfico 4).

Foi calculada a prevalência de HPA na fase primária e secundária, para cada grupo de estudo (grupo Cetorolac versus grupo de controlo). O grupo Cetorolac apresentou uma prevalência de hemorragia primária de 1.4% (n=1) e de hemorragia secundária de 11.1% (n=8), enquanto que no grupo de controlo se verificou uma prevalência de hemorragia primária de 0.8% (n=2) e de 5.3% de hemorragia secundária (n=13). Comparativamente com o grupo de controlo, os doentes que fizeram Cetorolac apresentaram um risco superior de hemorragia primária (OR=1.68; p>0.05) e secundária (OR=2.09; p>0.05). (Gráfico 5).

Correlacionou-se a administração de Cetorolac e a técnica cirúrgica nos adultos que apresentaram HPA. No grupo Cetorolac, 11.3% (n=6) dos adultos com HPA foram submetidos a amigdalectomia com técnica a quente e 15.8% (n=3) dos adultos com HPA foram submetidos a amigdalectomia com a técnica a frio. No grupo de controlo 7.2% (n=12) dos adultos com HPA foram submetidos a amigdalectomia com técnica a quente e 3.9% (n=3) dos adultos com HPA foram submetidos a amigdalectomia com técnica a frio (Gráfico 6).

Analisou-se a abordagem aos eventos hemorrágicos pós-operatórios no grupo Cetorolac e no grupo de controlo que tiveram HPA. No grupo Cetorolac que teve HPA (n=9), 55.6% (n=5) das HPA resolveram-se com medidas locais; 11.1% (n=1) tiveram necessidade de cauterização sob anestesia local e em 33.3% (n=3) foi necessário controlar a hemorragia em bloco operatório (BO) (Gráfico 7).

No grupo de controlo que teve HPA (n=15), 53.3% (n=8) das HPA resolveram-se com medidas locais; 6.7% (n=1) tiveram necessidade de cauterização sob anestesia local e em 40% (n=6) foi necessário controlar a hemorragia em bloco operatório (BO) (Gráfico 8).

Discussion

Segundo a literatura publicada 11,12,13,14, relativamente à influência da administração peri-operatória do Cetorolac no aumento de risco de HPA, o risco calculado difere entre estudos, não havendo consenso relativamente ao seu papel.

Atendendo à semi-vida de 6h do Cetorolac 30mg endovenoso em administração única, seria de esperar uma maior prevalência de HPA primária. No entanto, em teoria 7,8,9 , uma administração no período operatório poderá influenciar a agregação plaquetária 1 a 2 dias após a sua administração, pelo que é importante a análise de risco e frequência de episódios hemorrágicos no pós-operatório.

Os estudos 11,12,13 que encontraram uma associação entre a administração de Cetorolac e o aumento de HPA têm características em comum: a população de estudo são adultos, o Cetorolac é administrado no peri-operatório e sob via endovenosa. Bailey et al.11, verificaram uma HPA no grupo Cetorolac de 18.9% vs 7% no grupo controlo, sendo o 4º dia pós-operatório o dia médio de incidência de HPA no grupo Cetorolac. Também foram randomizados por diferente técnica cirúrgica, não tendo sido verificada diferença significativamente estatística na prevalência de HPA. Judkins et al.12, apresentam prevalência de HPA no grupo Cetorolac de 17% vs 7% no grupo de controlo, tendo sido também realizada distinção para diferentes técnicas cirúrgicas. Gallenger et al.13, verificaram que todas as HPA na fase primária (16%) ocorreram nos adultos nos quais tinha sido administrado Cetorolac no peri-operatório.No nosso estudo retrospetivo, tal como descrito na literatura11,12,13, o uso de Cetorolac 30mg no peri-operatório, associou-se a maior risco hemorrágico no pós-operatório de amigdalectomia em adultos. Verificou-se uma prevalência de HPA no grupo Cetorolac de 12.5% versus 6.2% no grupo de controlo. O risco de hemorragia pós amigdalectomia em adultos submetidos a Cetorolac foi duas vezes superior ao grupo de controlo, não se verificando diferença estatisticamente significativa (OD=2.17; CI=95%; p>0.05).

Considerando a semi-vida do Cetorolac seria expectável que a sua administração no peri-operatório tivesse principalmente influência na HPA primária. Na população do nosso estudo, verificou-se um aumento na prevalência de hemorragia primária no grupo Cetorolac versus o grupo de controlo (1.4% vs 0.8%). No entanto, também se verificou um aumento na prevalência de hemorragia secundária no grupo Cetorolac versus o grupo de controlo (11.1% vs 5.3%). O que pode ser explicado pelo mecanismo de ação do Cetorolac, que pode levar a uma diminuição da agregação plaquetária durante 1 a 2 dias após a sua administração 7,8,9, não se podendo assim excluir a influência do Cetorolac numa fase precoce da HPA secundária. No entanto, outros fatores de risco não considerados no nosso estudo poderiam ter contribuído para o aumento da HPA secundária no grupo Cetorolac.

A técnica cirúrgica é um dos fatores que influencia a HPA. A HPA primária é mais frequente na técnica a frio, geralmente devido a reabertura de um vaso, enquanto que a HPA secundária é mais frequente na técnica a quente, devido ao descolamento da escara de cicatrização. Independentemente da técnica cirúrgica utilizada, foi verificado um aumento da HPA no grupo Cetorolac, sendo este aumento superior nos doentes submetidos a amigdalectomia com a técnica a frio. Uma vez que todas as HPA primárias ocorreram quando utilizada a técnica a quente, a técnica cirúrgica não constitui um fator para o aumento de prevalência de HPA no grupo Cetorolac.

Por outro lado, não se registou maior prevalência de necessidade de controlo da HPA em bloco operatório ou com necessidade de cauterização sob anestesia local no grupo submetido a Cetorolac. Não parecendo que o Cetorolac tenha influência na gravidade do episódio hemorrágico. Na literatura consultada não existe referência à associação entre Cetorolac e gravidade da HPA.

No estudo retrospetivo de 2019, Kathleen McClain et al.14 , a utilização de Cetorolac não aumentou o risco de hemorragia pós amigdalectomia. Neste estudo, o Cetorolac foi administrado no período pós-operatório, em doses inferiores (10mg) e sob via oral. Pelo que os resultados contraditórios poderão justificar-se pelas diferentes características (dose, via e fase de administração do Cetorolac).

Os resultados no nosso estudo, com aumento de risco de HPA nos adultos que fizeram Cetorolac no peri-operatório, encontram-se concordantes com estudos das mesmas características publicados na literatura11,12,13; no entanto, este estudo apresenta limitações que devem ser consideradas no futuro.

Estas limitações devem-se, principalmente, à sua natureza retrospetiva, a distribuição assimétrica dos adultos pelos grupos de estudo, diferente equipa cirúrgica, não controle de factores externos que possam influenciar HPA, desconhecimento de comorbilidades (tais como, insuficiência renal, distúrbios da coagulação) e população reduzida (número total de hemorragia). A caracterização destas variáveis poderia sustentar a influência isolada do Cetorolac na HPA.

Conclusion

Nos adultos submetidos a amigdalectomia verificou-se um aumento duas vezes superior do risco de hemorragia pós amigdalectomia (HPA) nos quais foi administrado Cetorolac no peri-operatório, não tendo sido encontrada significância estatística.

Independentemente da técnica cirúrgica utilizada verificou-se um aumento do risco hemorrágico no grupo Cetorolac.

A administração de Cetorolac não parece influenciar a gravidade da HPA (com necessidade de controle em BO).

As associações estatisticamente encontradas vão de encontro ao publicado na maioria dos estudos internacionais. Como tal, somos da opinião que, o Cetorolac não deverá ser escolha de primeira linha na analgesia peri-operatória na amigdalectomia em adultos.

Declaração de conflito de interesses

Os autores declaram que não têm qualquer conflito de interesse relativo a este artigo.

Bibliografia

1 - Baugh RF, Archer SM, Mitchell RB, Rosenfeld RM, et al., American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery Foundation. Clinical practice guideline: tonsillectomy in children. Otolaryngol Head Neck Surg. 2011 Jan;144(1 Suppl):S1–30. Available from: DOI: 10.1177/0194599810389949.

2 - Paradise JL, Bluestone CD, Bachman RZ, Colborn DK, et al. Efficacy of tonsillectomy for recurrent throat infection in severely affected children. Results of parallel randomized and nonrandomized clinical trials. N Engl J Med. 1984;310:674-83. Available from: DOI: 10.1056/NEJM198403153101102.

3 - Powell J, O’Hara J, Carrie S, Wilson JA, Is tonsillectomy recommended in adults with recurrent tonsillitis?, BMJ. 2017 [Epub 2017 Apr 13]: 357:j1450. Available from: DOI: 10.1136/bmj.j1450.

4 - Francis DO, Chinnadurai S, Sathe N, Rockville, MD et al. Tonsillectomy for Obstructive Sleep-Disordered Breathing or Recurrent Throat Infection in Children: Agency for Healthcare Research and Quality; AHRQ comparative effectiveness review 2017. 16(17). Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28182365.

5 - Francis DO, Fonnesbeck C, Sathe N, et al. Postoperative bleeding and associated utilization following tonsillectomy in children: a systematic review and meta-analysis. Otolaryngol Head Neck Surg. 2017;156:442-455. Available from: DOI: 10.1177/0194599816683915.

6 - Sarny S, Ossimitz G, Habermann W, Stammberger H. Hemorrhage following tonsil surgery: a multicenter prospective study. Laryngoscope 2011;121:2553–2560. Available from: DOI: 10.1002/lary.22347.

7 - Cashman JN. The mechanisms of action of NSAIDs in analgesia. Drugs 1996; 52(Suppl 5):13–23. Available from: DOI: 10.2165/00003495-199600525-00004.

8 - Roberts HR, Monroe DM, Escobar MA., Current concepts of hemostasis: implications for therapy. Anesthesiology 2004;100:722–730. Available from: DOI: 10.1097/00000542-200403000-00036.

9 - Macario A, Lipman AG, Ketorolac in the era of cyclo-oxygenase-2 selective nonsteroidal anti-inflammatory drugs: a systematic review of efficacy, side effects, and regulatory issues. Pain Med. 2001 Dec;2(4):336-51. Available from: DOI: 10.1046/j.1526-4637.2001.01043.

10 - United States Food and Drug Administration. Toradol oral (ketorolac tromethamine tablets): Reference ID: 3281582. Available from: https://www.accessdata.fda.gov/drugsatfda_docs/label/2013/019645s019lbl.pdf.Accessed January 14, 2019.

11 -Chan DK, Parikh SR. Perioperative ketorolac increases post-tonsillectomy hemorrhage in adults but not children. Laryngoscope. 2014 Aug;124(8):1789-93. Available from: DOI: 10.1002/lary.24555.

12 - Judkins, J. H., Dray, T. G., & Hubbell, R. N. Intraoperative Ketorolac and Posttonsillectomy Bleeding. Archives of Otolaryngology - Head and Neck Surgery. 1996. 122(9), 937–940. Available from: DOI:10.1001/archotol.1996.01890210017004.

13 - Gallagher, J. E., Blauth, J., & Fornadley, J. A. Perioperative ketorolac tromethamine and postoperative hemorrhage in cases of tonsillectomy and adenoidectomy. The Laryngoscope 1995; 105(6), 606–609. Available from: DOI:10.1288/00005537-199506000-00008.

14 - Kathleen McClain, Amy M. Williams, Kathleen Yaremchuk. Ketorolac Usage in Tonsillectomy and Uvulopalatopharyngoplasty Patients. Laryngoscope, 2019. 00:1–4. Available from: DOI: 10.1002/lary.28077.

Tabelas e Gráficos

Figura 1 – Fluxograma de inclusão no estudo

Tabela 1 – Técnica cirúrgica na amigdalectomia total

Técnica cirúrgica

Total

n=315 (100%)

Frio

n=96 (30.5%)

Quente

n=219 (69.5%)


Tabela 2 – Prevalência hemorragia pós-operatória na amigdalectomia total

Hemorragia pós amigdalectomia (HPA)

Total

n=24 (7.6%)

Primária

n=3 (0.95%)

Secundária

n=21 (6.67%)


Tabela 3 – Analgesia peri-operatória na amigdalectomia total

Analgesia peri-operatória

Total

n=315 (100%)

Cetorolac

n=72 (22.9%)

Não Cetorolac

n=243 (77.1%)


Gráfico 1 – Distribuição por diagnóstico pré-operatório

Gráfico 2 – Prevalência de hemorragia pós amigdalectomia relacionada com a técnica cirúrgica

Gráfico 3 – Abordagem da hemorragia pós amigdalectomia

Gráfico 4 – Hemorragia pós amigdalectomia no grupo Cetorolac versus grupo controlo

Estimativa de risco – OR para uso Cetorolac = 2.171; p =0.076 – Teste qui-quadrado


Gráfico 5 – Prevalência de hemorragia primária e secundária no grupo Cetorolac
versus grupo de controlo

p >0.05 – Teste Fisher (2 células com contagem esperada inferior a 5).


Gráfico 6 – Relação entre administração Cetorolac e técnica cirúrgica na hemorragia pós amigdalectomia


Gráfico 7 – Abordagem de hemorragia pós amigdalectomia no grupo Cetorolac

Grafico7


Gráfico 8 – Abordagem de hemorragia pós amigdalectomia no grupo de controlo


Enlaces refback

  • No hay ningún enlace refback.