Artículo Original
Outcomes fonocirúrgicos no Edema de Reinke: uma análise retrospectiva
Phonosurgical outcomes in Reinke’s edema: a retrospective analysis
Nuno Medeiros, Joana Ferreira, Cristina Aguiar, Eugénia Castro, João Larangeiro, Artur Condé.
Autores:
Nuno Medeiros, Joana Ferreira,
Cristina Aguiar, Eugénia Castro,
João Larangeiro, Artur Condé
Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/ Espinho
Correspondência: Nuno Medeiros
Correo electrónico:
nuno.medeiros.oliveira@chvng.min-saude.pt
Recibido: 30/3/2021 Aceptado: 8/11/2021
ISSN:
2340-3438
Edita:
Sociedad Gallega de Otorrinolaringología
Periodicidad:
continuada.
Correo electrónico:
actaorlgallega@gmail.com
RESUMO
Introdução: O edema de Reinke é uma patologia que, apesar da sua baixa tendência para malignidade, pode afectar a qualidade vocal. Embora a associação com hábitos tabágicos seja forte e conhecida, a sua cessação pode ser muitas vezes insuficiente. A fonocirurgia apresenta assim um papel importante nos outcomes a curto e longo-prazo nestes pacientes.
Objectivos: Avaliação de outcomes subjectivos a curto e longo-prazo nos pacientes com Edema de Reinke tratados cirurgicamente
Materiais e métodos: Estudo retrospectivo observacional dos casos de Edema de Reinke submetidos a fonocirurgia entre Julho de 2011 e Julho de 2018 no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia /Espinho, analisando variáveis clínicas e demográficas de relevo. Os outcomes avaliados corresponderam à variação do score de Hirano, do pitch e da melhoria subjetiva reportada pelos pacientes.
Resultados e Discussão: 84 pacientes avaliados, 57,1% dos casos do sexo feminino, com uma mediana de idades ao diagnostico de 50,1 +/- 9,4 anos. 97.6% eram fumadores. Em 24 casos (28,6%) a técnica cirurgica envolveu a utilização de Laser CO2. Não existiu diferença de outcomes entre diferentes técnicas cirúrgicas. Houve uma melhoria estatisticamente significativa maior nos casos em que uma lesão (pólipo, pseudocisto) foi excisada no mesmo tempo cirúrgico. E uma melhoria significativamente menor nos pacientes com profissões com utilização vocal intensa.
ABSTRACT
Introduction: Reinke´s edema is a condition that, despite its low tendency to malignity, can affect voice quality. Although it has a strong association with smoking, its cessation can be most times insufficient for the complete treatment of this disease. Vocal cord microsurgery has an important role in the short and long-term outcomes of these patients.
Objectives: Our objectives comprise the evaluation of short and long-term outcomes of surgically treated Reinke´s edema patients.
Methods: We conducted a retrospective study of our Reinke´s edema cases that underwent surgery between July 2011 and July 2018, in Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, analyzing demographic and clinical relevant variables. Outcomes were measured in Hirano Score at 3 and 6-months post-operatively, reported improvement in complaints and pitch change.
Results and discussion: In the considered period, 84 patients underwent surgery for Reinke´s edema. There was a greater incidence of cases in females (57.1%), with a median age at diagnosis of 50.1 +/- 9.4 years. 97.6% of patients were smokers. In 24 cases (28.6%), CO2 laser was used to vaporize the edema. No difference of outcomes was noted for different surgical techniques. There was a statistical significant greater improvement in those cases where another lesion (polyp, organized cyst) was excised along with the edema. There was a statistical significant lesser improvement in those patients with high vocal strain professions.
INTRODUÇÃO
O edema de Reinke é uma patologia crónica e benigna das cordas vocais que se manifesta como um edema difuso da lámina própria da corda vocal1,2.Mais frequente na 4ª-5ª década, a sua prevalência é maior em mulheres, em parte pelas alterações mais evidentes de diminuição do pitch, com masculinização da voz3.
O tabagismo parece ser o fator de risco mais prevalente e importante no aparecimento desta patologia4. Contudo, outros fatores de risco são mencionados na literatura, tais como o abuso vocal e o refluxo faringo-laríngeo, e ainda, o possível papel do hipotiroidismo, alergias e certos fármacos. Estes fatores causarão irritação crónica dos capilares presentes na lámina própria, com alteração da sua permeabilidade, e extravasamento de fluido com acumulação de glicoproteínas e ácido hialurónico na lámina própria4. Contudo, os mecanismos fisiopatológicos da sua origem não estão ainda completamente esclarecidos.
A terapia inicial habitual prende-se com a correção dos fatores anteriormente descritos e o início de terapia da fala. Apesar da correção destes fatores fazer parte da terapia habitual do Edema de Reinke esta é, muitas vezes, insuficiente para a melhoria clínica. Não sendo uma patologia inflamatória, mas sim irritativa, não responde a terapia anti-inflamatória não-esteróide. Por outro lado, a inexistência de linfáticos no espaço subepitelial das cordas vocais leva a uma drenagem ineficaz do edema e à sua persistência. Nem todos os pacientes com edema de Reinke são candidatos cirúrgicos. Esta é, por norma, proposta em casos de lesão suspeita associada, obstrução da via aérea significativa ou disfonia refractária a tratamento médico5.
A utilização de técnicas cirúrgicas a frio ou com laser CO2 estão descritas na literatura, por vezes em combinação, não existindo atualmente preponderância de nenhuma em termos de resultados a curto e longo prazo6,7.
Apesar de extensivamente correlacionadas com o tabagismo, o maior fator de risco para neoplasia laríngea, é notória a baixa taxa de malignidade encontrada nas lesões de Edema de Reinke8. A taxa de displasia grave é reportada entre 0-3% nestas lesões9.
O objetivo do presente trabalho é analisar a modificação a curto e longo prazo dos outcomes fonocirúrgicos no Edema de Reinke.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo observacional retrospectivo, onde se analisaram os processos clínicos dos doentes submetidos a fonocirurgia como tratamento de Edema de Reinke no Serviço de Otorinolaringologia (ORL) do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho EPE entre Junho de 2011 e Julho de 2018. Foram obtidos 87 registos cirúrgicos, correspondentes a 84 pacientes. Apenas a primeira intervenção cirúrgica foi considerada na análise. Após aprovação da Comissão de Ética hospitalar (Protocolo 318/2019), estes processos foram avaliados por dois investigadores independentemente (N.M. e C.A.) e comparados, com um terceiro investigador (J.F.) a resolver possíveis discrepâncias nos dados rescolhidos. Critérios de inclusão contemplaram: 1) fonocirurgia para tratamento de Edema de Reinke; 2) ≥ 18 anos; 3) registos clínicos adequadamente preenchidos. Os critérios de exclusão da presente análise foram: 1) tratamento não cirúrgico de edema de Reinke; 2) antecedentes de intervenção fonocirúrgica; 3) idade <18 anos.
Foram obtidas variáveis demográficas (idade, sexo, profissão), variáveis clínicas (história de tabagismo; história de refluxo faringo-laríngeo; abuso vocal; queixa principal; lesões associadas; histologia). Os outcomes subjetivos registados consistiram em: melhoria auditório-perceptual (pitch e GRBAS - comparação pré-operatoria, 3M pós-operatória e 6M pós-operatoria), melhoria reportada pelo paciente (ausência de melhoria, melhoria parcial, melhoria completa) melhoria estroboscópica (grau de edema- em 4 graus como proposto por Tan et al, 201710- , gap glótico e onda mucosa) e recorrência dos sintomas.
A análise foi efetuada tendo como recurso o software IBM SPSS v26.0. As seguintes provas estatísticas foram realizadas: teste de qui-quadrado para a análise das variáveis categóricas (sexo, técnica, lesão associada), com a determinação da força de associação realizada com recurso ao coeficiente lambda; teste exato de Fisher para a análise da classes de Kouffman; teste ANOVA (idade, UMA); Wilcoxon test (GRBAS entre os diferentes momentos pré-pós cirúrgicos). O nível de significância estatístico assumido foi p<0,05.
RESULTADOS
Variáveis Demográficas
Analisaram-se os processos de 84 doentes que correspondiam aos critérios de inclusão. Dentro do período avaliado, isto correspondeu a 87 cirurgias, tendo 3 destas sido de revisão por recorrência do edema de Reinke. Dos doentes analisados, 48 corresponderam ao sexo feminino (57,1% dos casos) enquanto 36 eram do sexo masculino (42,9%). (Tabela 1). A média de idades foi de 50,1 +/- 9,4 anos e a distribuição por Classes de Koufman apresenta-se na Tabela 1.
Variáveis Clínicas
Quanto aos antecedentes médicos avaliados nestes pacientes, 97,6% apresentavam hábitos tabágicos prévios (82 dos pacientes), sendo as unidades maço-ano (UMA) médias de 29,4 (+/- 14,5). 57,3% apresentavam achados compatíveis com refluxo faringo-laríngeo (paquidermia ou edemas aritnoideus e/ou tecido interaritnoideu hiperplásico) e 27,5% apresentavam antecedentes de abuso vocal.
O grau profissional de Koufman destes pacientes está descrito na tabela 1, pertencendo a maioria destes ao grau 3 (profissional não-vocal).
A queixa principal que motivou o recurso à nossa consulta de otorrinolaringologia foi em 80 dos casos a disfonia, sendo que em 2 casos a queixa principal era dispneia e em outros 2 disfagia. 53 destes pacientes queixavam-se associadamente de pitch diminuído, queixa presente significativamente mais no género feminino (p< 0,001). Quanto a terapia da fala, apenas 12 pacientes (14.3%) realizaram intervenção pré-cirúrgica, tendo a intervenção cirúrgica sido oferecida aos pacientes com melhoria parcial ou não melhoria sintomática (47 pacientes – 56,0%).
Edema de Reinke
O edema da corda vocal era bilateral na maioria dos casos (82%). Em 33 dos casos existiam lesões polipoides com maior organização em pontos específicos da corda vocal. Quatro dos casos apresentavam lesão pseudo-quística associada e outros 18 apresentavam lesões leucoplásicas, conferindo uma prioridade mais elevada à intervenção cirúrgica. Dos pacientes com outra lesão associada, 14 pacientes apresentavam abuso vocal, não se encontrando associação entre estas duas variáveis (p=0,79).
A cessação tabágica foi atingida em 63 (76.9%) dos pacientes com hábitos tabágicos, tendo os restantes pacientes sido propostos a intervenção cirúrgica por dispneia e/ou lesão leucoplásica concomitante.
A técnica cirúrgica utilizada foi a técnica de microflap, tal como descrita por Hirano, com incisão a frio ou alternativamente com utilização de Laser CO2, escolha derivada da experiência do cirurgião principal. Em 24 dos casos (28,6%) foram realizados com utilização de Laser CO2, com os restantes 60 casos realizados por disseção a frio.
O resultado histológico pós-cirúrgico revelou que em 78 dos casos não existia sinais histológicos de atipia ou malignidade. Contudo, o exame anatomo-patológico era compatível com displasia leve em 2 casos, displasia moderada em 1 caso e displasia grave em 3 outros casos. Em 5 destes 6 casos de displasia, existia uma lesão leucoplásica denotada pré-cirurgicamente associada ao Edema de Reinke.
Figura 1 -> Média do Score de Hirano pré-cirurgico (azul claro), 3 meses pós-cirúrgico (azul), e 6 meses pós-cirúrgico (azul escuro).* p<0,05.
Variável |
|
Sexo
|
48 (57,1%) 36 (42,9%) |
Idade (anos) |
50,1 +/- 9,4 |
Classe de Koufman
|
3 (3,6%) 21 (25%) 43 (51,2%) 17 (20,2%) |
Tabagismo
|
82 (97,6%) 2 (2,4%) |
Refluxo faringo-laríngeo
|
48 (57,3%) 36 (42,7%) |
Abuso Vocal
|
23 (27,5%) 61 (72,5%) |
Edema
|
15 (17,9%) 69 (82,1%) |
Tabela 1 – Características clínicas dos pacientes.
Outcomes cirúrgicos
A avaliação subjetiva inicial dos pacientes incluiu a realização do GRBAS (Score de Hirano). Na figura 1 conseguimos verificar os scores médios pré-cirúrgicos e os pós-cirúrgicos aos 3 e 6 meses. Verificamos, assim, que os componentes com maior expressão pré-cirúrgica eram o grau (G) e rouquidão (R), sendo também estes os que sofreram maior variação com a intervenção.
Quanto ao grau do score de Hirano, este não foi afectado significativamente pela técnica cirúrgica utilizada aos 3 meses (p=0,18) ou 6 meses (p=0,73). Não houve também diferenças estatisticamente significativas verificadas entre os vários grupos de utilização vocal profissional. Este também não demonstrou diferenças de variação em relação às unidades maço-ano de cada paciente.
Questionados os pacientes acerca da melhoria global sintomática com cirurgia aos 6 meses, dividimos os pacientes em três grupos (nenhuma, parcial e completa). 58% dos pacientes notaram um desaparecimento completo das queixas, com os restantes 49,4% a notarem uma recuperação parcial e 8,6% a referirem refractriedade com cirurgia. Esta melhoria não foi afetada pelo sexo do paciente, idade, Unidades Maço-Ano (UMAs) ou a técnica utilizada (Tabela 2). Contudo, foi evidente que a presença de uma lesão mais organizada associada ao edema de Reinke (pólipo/pseudoquisto), condicionou melhorias reportadas mais marcadas em comparação ao grupo sem outra lesão associada (p=0,044).
Nenhuma Melhoria n = 7 |
Melhoria Parcial n = 40 |
Melhoria completa n = 37 |
||
Idade (média/anos) |
50,4 |
51,7 |
48,5 |
R2=0,03; p=0,35 |
Tabagismo |
31,0 |
30,5 |
27,8 |
R2=0,008; |
Sexo
|
4 (4,9%) 3 (3,7%) |
24 (29,6%) 16 (19,8%) |
20 (23,8%) 17 (20,2%) |
Λ = ٠,٠١ p = 0,94 |
Técnica
|
5 (6,2%) |
29 (35,8%) |
26 (31,0%) |
|
Lesão associada
|
6 (7,4%) |
24 (29,6%) |
25 (29,8%) |
Λ = ٠,٢٧ |
Classe de Koufman
|
0 (0%) |
2 (2,4%) |
1 (1,2%) |
Λ = ٠,٠٢ |
Tabela 2 – Diferenças em melhoria reportada aos 6 meses pós-cirúrgicos, nas variáveis estudadas.
Acerca da alteração do pitch, 63,1% dos pacientes apresentavam diminuição do pitch na avaliação inicial, tendo a melhoria ocorrido em 77,4% destes. Esta alteração do pitch ocorreu significativamente mais nos pacientes do sexo feminino (p<0,001). A nível estroboscópico, o grau de edema melhorou em 100% dos casos em relação ao pré-cirúrgico. Dois dos pacientes apresentaram gap glótico fusiforme pós-cirúrgico, associado a redução da onda mucosa unilateral
Em respeito a complicações pós-cirúrgica, uma paciente necessitou de manter entubação oro-traqueal por 24 horas, devido a edema da via aérea após entubação em via aérea difícil.
A recorrência de sintomas previamente resolvidos parcial ou totalmente, durante o tempo estudado, ocorreu em 8 dos casos descritos. Todos estes pacientes tinham recomeçado os seus hábitos tabágicos, tendo o tempo médio de recorrência sido de 3,2 anos.
DISCUSSÃO
Na nossa amostra, encontrámos uma maior prevalência no sexo feminino de fonocirurgia para Edema de Reinke. Este facto pode ser explicado, em primeiro lugar, pela maior prevalência reportada desta patologia no sexo feminino. Contudo, é também notório que as alterações vocais são por norma mais evidentes nas mulheres, devido à masculinização da voz por diminuição do seu pitch 3. Um possível contributo hormonal pode estar envolvido na sua patofisiologia11,12. Os nossos resultados corroboram este facto, mostrando uma prevalência maior de diminuição de pitch no sexo feminino (p<0,001) bem como uma significativamente maior melhoria do pitch nestas pacientes (p<0,001). Sendo assim, podemos supor que a cirurgia terá um papel maior neste género, devido aos resultados possivelmente insuficientes obtidos pela terapia conservadora primária.
A associação entre esta patologia e os hábitos tabágicos é sobejamente conhecida e globalmente aceite. O fumo do tabaco atua como um irritante, que pode levar a um estado de inflamação crónica na corda vocal13,14. É hipotetizado que esta inflamação possa levar a um aumento da permeabilidade capilar com extravasamento de fluído seroso15, numa primeira instância. Contudo, a cronicidade do quadro pode levar às mudanças da característica da efusão, tornando-se esta mais mucosa e gelatinosa, e assim, menos propensa a melhoria com terapias conservadoras. A percentagem de pacientes com hábitos tabágicos na nossa amostra (97,8%) é semelhante ao encontrado na literatura, sendo raros os casos não associados a tabagismo. Na nossa amostra, hábitos tabágicos mais pesados (medidos por UMAs) não afetaram significativamente os outcomes medidos a 3 e 6 meses, nem o grau de recorrência. As alterações conferidas por esta exposição crónica podem, contudo, não ser completamente reversíveis. Uma explicação possível pode ser a existência de alterações estruturais nos fibroblastos, conferindo uma produção descontrolada de matriz fibrosa na lámina própria, impedindo a completa recuperação11.
Os restantes fatores de risco analisados podem contribuir adicionalmente para um maior grau de inflamação como anteriormente descrito, contudo a magnitude da sua influência é ainda desconhecida14. Estes podem ser também corrigidos na abordagem terapêutica, com a instituição de terapia da fala16 e de terapêutica anti-refluxo17.
Diferentes classes profissionais apresentam diferentes padrões de utilização vocal. As classes de Koufman18 pretendem agrupar os pacientes em classes de utilização vocal, correspondendo a classe 1 a performers vocais (cantores, atores), e a classe 2 a profissionais vocais (professores, vendedores) em que a utilização vocal é bastante intensa e a presença de sintomas de disfonia têm um impacto profissional maior. Na nossa amostra, o Score de Hirano aos 3 e 6 meses não sofreu alterações significativamente díspares entre classes de utilização vocal mais intensa ou menos intensa. Contudo, a melhoria reportada pelo paciente foi significativamente menor em pacientes com utilização vocal intensa. A literatura corrobora este achado, pois os pacientes com necessidades vocais maiores têm tendencialmente resultados cirúrgicos menos satisfatórios19.
A presença de lesões mais organizadas (pólipos, pseudoquistos) foi preditora de maior melhoria reportada pós-cirurgicamente, comparativamente aos pacientes sem outro tipo de lesões. Estas lesões são, na sua grande maioria, unilaterais, e causam um maior efeito de massa, com maior fenda glótica persistente e consequentemente maior prejuízo da onda mucosa20,21.
A percentagem de displasia grave reportada na literatura é de cerca de ٠-٣٪8,9. Apesar de o fator etiológico do ER ser o mesmo que o principal fator de risco para neoplasia laríngea, estas duas lesões não parecem estar associadas. A análise histológica da mucosa extirpada cirurgicamente demonstrou displasia em 7,1% dos casos, significativamente mais alta do que a reportada na literatura. Contudo, na nossa amostra, todos os casos de displasia moderada e severa apresentavam outra lesão sentinela, nomeadamente áreas leucoplásicas no ponto nodular. Não existiram lesões malignas encontradas na nossa amostra.
A primeira técnica cirúrgica descrita para tratamento de Edema de Reinke consistia em excisão da mucosa, com graus elevados de disfonia pós-operatória devido à exposição resultante do ligamento vocal. Várias outras técnicas foram, entretanto, introduzidas. A técnica do microflap, descrita por Hirano, utiliza uma incisão lateral ao edema com subsequente drenagem do edema e excisão de mucosa redundante. A utilização de laser CO2 pode ser uma alternativa à disseção a frio nesta técnica. Alguns estudos sugerem a possibilidade de o laser poder provocar lesão térmica do ligamento vocal22,23. Até à data, contudo, a utilização de laser CO2 não demonstrou clara superioridade ou inferioridade em termos de resultados em relação à disseção a frio6. Uma recente meta-análise comparou também diferentes técnicas cirúrgicas, não encontrando evidência de superioridade, apesar de as conclusões terem sido limitadas pelas diferenças metodológicas existentes. Na nossa amostra, pudemos comparar retrospectivamente o sucesso destas duas técnicas em termos das variáveis de outcome estudadas, não tendo existido diferença estatisticamente significativa em nenhum dos endpoints avaliados (Score de Hirano, queixas do paciente ou recorrência do edema).
A drenagem do edema de Reinke é infrequentemente total. A excisão bilateral deve poupar a mucosa da comissura anterior para a diminuição de probabilidade de criação de sinequia, bem como preservar a lámina própria. Por outro lado, a alteração cirúrgica marcada das características da corda vocal pode levar a um aumento significativo do pitch, com perda de identidade vocal. Estes fatores levam a que haja, na grande maioria dos casos, um edema residual intencional.
A análise subjetiva da qualidade vocal é convencionalmente descrita pelo Score de Hirano, um score que avalia entre 5 a 6 parâmetros, nomeadamente grau (G), rouquidão (R), soprosidade (B), astenia (A), tensão (S), sendo por vezes ainda descrito o Instabilidade (I). Apesar da existência de uma escala globalmente aceite ser importante, o seu carácter subjectivo diminui a validade da comparação inter-observador, constituindo uma limitação quando comparámos resultados entre diferentes cirurgiões, como no caso deste estudo.
A recorrência de lesões de Edema de Reinke pode ocorrer se existir manutenção dos fatores de risco no período pós-operatório24. A taxa de recorrência está descrita como alta nestes casos, estando valores tão altos como 58% reportados em alguns estudo13, e o paciente deve ser informado desta possibilidade aquando do aconselhamento cirúrgico. Na nossa amostra, a recorrência estroboscópica associada a recorrência sintomática ocorreu em oito dos pacientes, com uma mediana de tempo decorrido de 3,2 anos. Todos estes pacientes tinham reiniciado os hábitos tabágicos pós-cirurgicamente, tal como descrito em estudos similares.
As limitações do nosso trabalho prendem-se sobretudo com a sua natureza retrospectiva, estando limitado à qualidade dos registos clínicos analisados. A inclusão sistemática de avaliação acústica e aerodinâmica é ainda complementar aos outcomes aqui reportados, podendo ajudar na comparação dos outcomes percepcionados e objetivos.
CONCLUSÃO
A fonomicrocirurgia é um método efetivo e com uma taxa de complicações baixa no tratamento do Edema de Reinke. A melhoria subjetiva reportada pelo paciente e na avaliação clínica são significativas. O tratamento concomitante de lesões associadas confere maior grau de melhoria pós-cirúrgica. Na nossa amostra, encontrámos ainda uma taxa maior do que o esperado de lesões pré-malignas associadas.
Declaración de conflicto de intereses: Sem conflitos de interesse a declarar
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