Artigo Original
O papel da suplementação com vitamina D na Vertigem Posicional Paroxística Benigna
The role of vitamina D supplementation in Benign paroxysmal positional vertigo
Pedro Costa Dias 1,
Helena García Fonseca 1,
Pedro Carneiro de Sousa 2
1 ULS Matosinhos
2 Grupo Trofa Sáude
Correspondencia: Pedro Costa Dias.
Correo electrónico: pedrocostadias17@gmail.com
Recibido: 7/2/2021 Aceptado: 23/5/2021
ISSN:
2340-3438
Edita:
Sociedad Gallega de Otorrinolaringología
Periodicidad:
continuada.
Correo electrónico:
actaorlgallega@gmail.com
Resumo
Introdução: A Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB) é uma patologia do ouvido interno caracterizada por episódios repetidos de vertigem posicional. Vários estudos demonstraram existir uma maior prevalência de deficiência de vitamina D nos doentes com VPPB, bem como uma associação entre o aumento de recorrências e baixos níveis de vitamina D. Neste sentido, com esta revisão pretende-se determinar a eficácia da suplementação de vitamina D na diminuição das recorrências nos doentes com VPPB.
Métodos: Utilizando os termos MeSH “Vitamin D” e “Benign Paroxysmal Positional Vertigo” foi realizada uma pesquisa por normas de orientação clínica, meta-análises, revisões sistemáticas e ensaios clínicos. Foram selecionados artigos escritos em inglês, publicados 5 anos anteriores (9/8/2020). De forma a atribuir o nível de evidência e atribuir a força de recomendação foi utilizada a escala Strenght Of Recommendation Taxonomy (SORT).
Resultados: Da pesquisa efectuada foram obtidos 14 artigos. Após aplicação dos critérios de exclusão, foi selecionada uma meta-análise. Todos os estudos incluídos na mesma demonstraram diminuição das recorrências da VPPB após suplementação com vitamina D.
Discussão: Através da análise da evidencia, verifica-se a eficácia da suplementação de vitamina D com ou sem cálcio na prevenção secundária da VPPB. No entanto, são necessários mais ensaios clínicos aleatorizados que permitam consolidar esta conclusão. Existem ainda vários tópicos por esclarecer, nomeadamente a posologia, nível de vitamina D alvo e o papel do cálcio em associação com a vitamina D.
Conclusão: Considera-se que a suplementação D na prevenção secundária da VPPB apresenta uma força de recomendação B (escala SORT).
Palavras-chave:
Vertigem Posicional Paroxística Benigna, Vitamina D, Suplementação
Abstract
Introduction: Benign Paroxysmal Positional Vertigo (BPPV) is an inner ear patology characterized by repeated episodes of positional vertigo. Several studies have shown a higher prevalence of vitamin D deficiency in patients with BPPV, as well as an association between increased recurrences and low levels of vitamin D. This review aims to determine the effectiveness of vitamin supplementation D in decreasing recurrences in patients with BPPV.
Methods: Using the MeSH terms “Vitamin D” and “Benign Paroxysmal Positional Vertigo”, a search was conducted for clinical guidelines, meta-analyzes, systematic reviews and clinical trials. Articles written in English, published in the past 5 years (8/9/2020) were selected. In order to assign the level of evidence and the recommendation strength, the Strenght Of Recommendation Taxonomy (SORT) scale was used.
Results: This research obtained 14 articles. One meta-analysis was selected after applying the exclusion criteria. All studies included in it showed a decrease in BPPV recurrences after vitamin D supplementation.
Discussion: Through the analysis of the evidence, the effectiveness of vitamin D supplementation with or without calcium is verified in the secondary prevention of BPPV. However, more randomized clinical trials are needed to consolidate this conclusion. There are still several topics to be clarified, namely the dosage, the target vitamin D level and the role of calcium in association with vitamin D.
Conclusion: The role of supplementation D in secondary prevention of BPPV is considered to have a strength of recommendation B (SORT scale)
Keywords:
Benign Paroxysmal Positional Vertigo, Vitamin D, Supplementation
Introdução
A Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB) é uma patologia do ouvido interno caracterizada por episódios repetidos de vertigem posicional. [1] É o distúrbio vestibular mais comum na comunidade, [2] apresentando uma incidência cumulativa na população geral de cerca de 10%. [3]
A história natural da VPPB caracteriza-se por recidivas que, em alguns estudos, podem chegar aos 50%. [4]. Os doentes têm um risco aumentado de quedas e incidência de depressão, representado também um impacto negativo nas atividades de vida diária. [1]
O principal sintoma é o aparecimento de vertigem induzida por mudança de posição da cabeça. [2] A VPPB do canal posterior representa a grande maioria dos casos, constituindo aproximadamente 85% a 95%. [1]
Em termos fisiopatológicos, o equilíbrio e a sensação de movimentos dependem da integridade dos otólitos, cristais compostos por carbonato de cálcio. [5] Considera-se que a VPPB resulta da canalitíase, que consiste na mobilização de partículas de otólitos fragmentados no ouvido interno, justificando assim o quadro clínico. [1] Portanto, alterações na composição dos otólitos podem levar a um comprometimento da sua função. [5]
De um modo geral, o tratamento efetivo da VPPB demonstra melhorar a qualidade de vida. [1] O tratamento para a VPPB consiste no reposicionamento canalítico, com a manobra de Epley a ser a mais utilizada nos casos do canal semircular posterior. [6] Trata-se de um procedimento que uma elevada recorrência (estimada em 36% [7]) e que pode não ser segura em doente com patologia osteoarticular cervical. Assim, torna-se relevante tentar encontrar outros pontos que sejam possíveis alvos terapêuticos.
Vários estudos demonstraram existir um aumento da prevalência de deficiência de vitamina D nos doentes com VPPB, bem como uma associação entre o aumento de recorrências e baixos níveis de vitamina D. [5] Assim, tendo em conta a fisiopatologia da doença, a suplementação com vitamina D pode ter um efeito directo através da renovação dos otólitos devido à regulação do metabolismo do cálcio. [5]
Tendo em conta que a prevalência de défice ou insuficiência de vitamina D em Portugal é elevada, seria importante perceber se é necessário fazer o seu doseamento sistemático nos doentes com VPPB. [8] Neste sentido, com esta revisão pretende-se determinar a eficácia da suplementação de vitamina D na diminuição das recorrências nos doentes com VPPB.
Materiais e Métodos
Utilizando os termos MeSH “Vitamin D” e “Benign Paroxysmal Positional Vertigo” foi levado a cabo uma pesquisa por normas de orientação clínica (NOCs), meta-análises (MA), revisões sistemáticas (RS) e ensaios clínicos (EC) nas bases de dados National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association, The Cochrane Library, DARE, Bandolier e MEDLINE. Foram selecionados artigos escritos em inglês, publicados 5 anos anteriores relativamente à data da pesquisa (9 de agosto de 2020).
Os critérios de inclusão basearam-se na questão em estudo formulada na estrutura PICO [9]: População – Doentes com VPPB e défice de vitamina D; Intervenção – Suplementação de vitamina D de forma isolada ou em combinação; Controlo – sem suplementação de vitamina D; Outcomes – Redução da recorrência da VPPB.
Como critérios de exclusão foram definidos artigos duplicados ou incluindo nas revisões sistemáticas e meta-análises recentes.
De forma a atribuir o nível de evidência dos estudos e atribuir a força de recomendação foi utilizada a escala Strenght Of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Academy of Family Physicians. [10]
Resultados
Da pesquisa efectuada foram obtidos 14 artigos. Durante o processo de seleção, foram excluídos vários por não irem de encontro ao objectivo da revisão ou devido a repetição. Após esta primeira seleção, os artigos foram analisados de forma integral, tendo sido excluídos estudos já incluídos na meta-análise selecionada (meta-análise). Por outro lado, optou-se por excluir um artigo que se assemelhava a outro analisado pela meta-análise, sob pena de incorrer na sobrevalorização de uma evidência (artigos repetidos). Assim, após a análise realizada pelos autores foi selecionada uma meta-análise (figura 1).
Relativamente à meta-análise selecionada, publicada em 2020 por Seong‐Hae Jeong e colaboradores, teve como objetivo principal determinar a eficácia da suplementação com vitamina D com ou sem outras intervenções na redução de recorrência da VPPB.
Nesta meta-análise foram incluídos quatro ensaios clínicos não aleatorizados e um ensaio clínico aleatorizado. No total, foram analisados 1114 participantes com VPPB, sendo que 505 receberam suplementação de vitamina D, com ou sem cálcio.
Informações mais específicas sobre os ensaios selecionados por esta meta-análise encontram-se sistematizadas no quadro 1.
De um modo global, podemos verificar que os quatro ensaios não aleatorizados optaram por suplementar doses elevadas de vitamina D3, com valores entre os 35.000 e os 50.000 UI por semana. Por outro lado, foi utilizada uma dose standard de vitamina D3 (800 UI diários) com carbonato de cálcio no ensaio clínico aleatorizado.
Como resultados, todos os estudos analisados demonstraram diminuição das recorrências da VPPB após suplementação com vitamina D. Este resultado é demonstrado através do modelo de efeito fixo (RR=0.68; 95% CI=0.59 to 0.78; p<0.0001) como modelo de efeito aleatório (RR=0.37; 95% CI=0.18 to 0.76; p=0.007). Assim, os autores consideram que foi demonstrada a efetividade da suplementação de vitamina D com ou sem cálcio na prevenção secundária da VPPB. A manutenção do nível de vitamina D pode conduzir a uma redução do risco de recorrências em 63%.
Atendendo ao facto de os resultados dos estudos incluídos na meta-análises serem consistentes, mas baseados em maioritariamente ensaios clínicos não aleatorizados, é atribuído o nível de evidência dois à conclusão desta meta-análise de acordo com a escala SORT.
Discussão
Após a análise do artigo selecionado, verifica-se que os autores consideram que foi demonstrada a eficácia da suplementação de vitamina D com ou sem cálcio na prevenção secundária da VPPB. Os resultados são válidos para suplementação, tanto com doses standard como para doses altas. Portanto, principalmente em doentes com recorrências frequentes, o doseamento e correção dos níveis de vitamina D poderá ter um efeito positivo no curso na doença.
Apesar de ter sido selecionada apenas uma meta-análise, a leitura da presente revisão apresenta vantagem face à análise isolada do artigo selecionado, já que permite ao leitor ter a consciência de que está perante toda a evidência existente sobre o objetivo em estudo e qual o seu nível de evidência.
Como limitações, os autores consideram que ainda faltam esclarecer algumas questões práticas sobre este tópico. Seria importante perceber se existe um nível seguro de vitamina D, a partir do qual a suplementação já não tivesse impacto no número de recorrências e se este efeito perdura no tempo. Por outro lado, havendo várias posologias utilizadas nos diferentes estudos, não nos permite orientar sobre a forma de como a suplementação deverá ser feita. De igual forma, também é necessário determinar se nestes casos o cálcio apresenta algum papel quando associado à vitamina D.
Por fim, apesar de apesar de haver várias hipóteses, os mecanismos biológicos sobre os quais a vitamina D pode ser protetora na VPPB ainda estão por definir.
Concluindo, são necessários mais ensaios clínicos aleatorizados que permitam consolidar as conclusões da meta-análise, preferencialmente com mais participantes e maior duração.
Conclusões
Com esta revisão os autores pretenderam selecionar e discutir os resultados de toda a evidência disponível relacionada com a questão em estudo. Uma vez que se trata de um tema recente, apenas uma meta-analise cumpriu os critérios de inclusão, o que limita a força de recomendação a atribuir.
Tendo em conta a evidência disponível atualmente, considera-se que a suplementação de vitamina D na prevenção secundária da VPPB apresenta uma força de recomendação B (escala SORT).
Declaración de conflicto de intereses
Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
Bibliografía
- Bhattacharyya N, Gubbels SP, Schwartz SR, et al. Clinical Practice Guideline: Benign Paroxysmal Positional Vertigo (Update). Otolaryngol Head Neck Surg. 2017;156(3_suppl):S1-S47. doi:10.1177/0194599816689667
- Hornibrook J. Benign Paroxysmal Positional Vertigo (BPPV): History, Pathophysiology, Office Treatment and Future Directions. Int J Otolaryngol. 2011;2011:835671. doi:10.1155/2011/835671
- von Brevern M, Radtke A, Lezius F, et al. Epidemiology of benign paroxysmal positional vertigo: a population based study. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2007;78(7):710-715. doi:10.1136/jnnp.2006.100420
- Nunez RA, Cass SP, Furman JM. Short- and long-term outcomes of canalith repositioning for benign paroxysmal positional vertigo. Otolaryngol Head Neck Surg. 2000;122(5):647-652. doi:10.1016/S0194-5998(00)70190-2
- Jeong SH, Lee SU, Kim JS. Prevention of recurrent benign paroxysmal positional vertigo with vitamin D supplementation: a meta-analysis [published online ahead of print, 2020 Aug 7]. J Neurol. 2020;10.1007/s00415-020-09952-8. doi:10.1007/s00415-020-09952-8
- Muncie HL, Sirmans SM, James E. Dizziness: Approach to Evaluation and Management. Am Fam Physician. 2017;95(3):154-162.
- Hilton MP, Pinder DK. The Epley (canalith repositioning) manoeuvre for benign paroxysmal positional vertigo. Cochrane Database Syst Rev. 2014;(12):CD003162. Published 2014 Dec 8. doi:10.1002/14651858.CD003162.pub3
- Santos A, Amaral TF, Guerra RS, et al. Vitamin D status and associated factors among Portuguese older adults: results from the Nutrition UP 65 cross-sectional study. BMJ Open. 2017;7(6):e016123. Published 2017 Jun 22. doi:10.1136/bmjopen-2017-016123
- Akobeng AK. Principles of evidence based medicine. Arch Dis Child. 2005;90(8):837-840. doi:10.1136/adc.2005.071761
- Ebell MH, Siwek J, Weiss BD, et al. Strength of recommendation taxonomy (SORT): a patient-centered approach to grading evidence in the medical literature. Am Fam Physician. 2004;69(3):548-556.
Tabelas e Figuras
Figura 1 - Seleção de artigos
Quadro 1 - Artigos incluídos na meta-análise selecionada
Autor / Ano |
Metodologia |
Resultados (recorrência tratados vs controlo) |
Talaat et al (2016) |
Desenho: coorte População: 28 vs 65 Intervenção: Dose de carga 50.000 UI de vitamina D3 oral, 3x/semana, durante 1 mês; dose de manutenção com 50.000 UI de vitamina D3 oral, 2x/mês e 600mg de citrato de cálcio 2x/dia; Duração: 18 meses |
4 vs 28 |
Sheikhzadeh et al (2016) |
Desenho: caso-controlo População: 27 vs 27 Intervenção: 50.000 UI de colecalciferol semanalmente durante 2 meses até atingir valor vitD > 30ng/ml; Duração: 6 meses |
4 vs 26 |
De Sousa et al (2019) |
Desenho: estudo comparativo antes e depois População: 5 vs 5 Intervenção: se défice 5000 UI diário, gotas; se insuficiência 1 comprimido mensal (equivalente a 800 UI/dia); Duração: 12 meses |
0 vs 5 |
Caflifano et al (2019) |
Desenho: estudo comparativo antes e depois População: 68 vs 69 Intervenção: dose ajustada ao valor laboratorial, desde 10.000 a 50.000 UI semanalmente de vitamina D3, até um limite anual de 160.000 UI; Duração: 12 meses |
13 vs 28 |
Jeong et al (2020) |
Desenho: ensaio clínico aleatorizado População: 445 vs 512 Intervenção: 400 UI de vitamina D3 e 500 mg de carbonato de cálcio 2x/dia; Duração: 12 meses |
168 vs 239 |
Enlaces refback
- No hay ningún enlace refback.